Lua interpreta a confusão jurídica que se instalou na Série C com base no CBJD, no estatuto da FIFA e do estranho acordo assinado entre CBF e Rio Branco-AC 27/05/2012 em /Opinião por Lua - SóEsporte
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Lua interpreta a confusão jurídica que se instalou na Série C com base no CBJD, no estatuto da FIFA e do estranho acordo assinado entre CBF e Rio Branco-AC 27/05/2012 em /Opinião por Lua

O caso Treze-PB x Araguaína-TO x Rio Branco-AC

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê em seu artigo 231 que:

Art. 231. Pleitear, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria referente à disciplina e competições perante o Poder Judiciário, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro.

PENA: exclusão do campeonato ou torneio que estiver disputando e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

O descumprimento do Código por parte da CBF durante o Campeonato da Série C em 2011, com a guarida do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), foi um dos fatores que provocou a confusão atualmente instalada nas Séries C e D, que estão suspensas por conta de recurso judicial impetrado pelo Treze-PB na Justiça Comum na Paraíba e pelo apelo de liminar do Santo André-SP ao STJD.

Ainda na primeira fase da Série C 2011, com o objetivo de derrubar um veto da Procuradoria de Defesa do Consumidor à emissão de laudo liberatório para acesso do público à Arena da Floresta, o Ministério Público do Acre obteve liminar liberando o estádio, beneficiando tanto o Rio Branco-AC, que disputava a Série C, como o Plácido de Castro-AC, que disputava a Série D. Os clubes puderam voltar a mandar jogos da Série C na Arena da Floresta mas a CBF, acusando o Rio Branco-AC de acionar a Justiça Comum antes que fossem esgotadas as vias desportivas, excluiu o clube da Série C 2011. Sendo assim, o time foi eliminado da competição e foi o lanterna da chave, em que, dentro de campo, acabou como time de melhor índice técnico.

Diante do impasse, e sob risco de eliminação do campeonato, o Rio Branco costurou o acordo mostrado abaixo com CBF e retirou o recurso que interpôs na justiça comum do Rio de Janeiro para evitar a eliminação decidida pela CBF. Quando tal acordo foi assinado, o campeonato já estava em sua segunda fase e o Rio Branco-AC, estranhamente, foi eliminado da fase e não do campeonato, decisou que acabou prejudicando o Araguaína-TO, que acabou rebaixado para a Série D por ter sido o pior time dentro de campo na primeira fase.

Fonte:  site Maiorais

O Estatuto do Congresso da FIFA prevê em seu capítulo IV – Integridade do esporte:

9. Princípio do acesso e decesso (rebaixamento)

1. A elegibilidade de um clube a participar de um campeonato em uma liga doméstica deve depender principalmente do mérito desportivo. Um clube pode qualificar-se para a disputa de um campeonato de uma liga doméstica  por permanecer em uma certa divisão ou por ser promovido ou rebaixado para outra ao final de uma temporada.

(…)

4. Cada Membro é responsável pela decisão de problemas de âmbito nacional. Tal decisão não pode ser delegada à Liga. Cada Confederação é responsável (…). FIFA é responsável por decidir problemas internacionais envolvendo mais de uma Confederação.

O termo Membro, conforme glossário do estatuto, refere-se à Federação filiada, no caso, a CBF. A CBF é portanto soberana no tocante às questões de acesso e decesso envolvendo clubes à ela filiados e também no tocante às competições por ela organizadas, não cabendo interferência da FIFA nestes casos, ao contrário do que chegou a publicar o site Justiça Desportiva em 24 de maio de 2012. O fato foi confirmado por consulta do Globo Esporte PB e também pelo Lancenet.

Sob os recursos à Justiça Comum, o Estatuto do Congresso FIFA 2011 prevê:

64. Obrigação

(…)

2. Recorrer a tribunais da justiça comum é proibido a menos que especificamente permitido em regulamentos FIFA.

3. As Associações (grifo nosso: no caso, a CBF) devem inserir uma cláusula nos seus estatutos ou regulamente estipulando que é proibido levar disputas na Associação ou disputas afetando Ligas, membros das ligas, clubes, membros dos clubes, jogadores, Oficiais para cortes da justiça comum, a menos que os regulamentos FIFA ou disposições jurídicas vinculadas especificamente prevejam  ou estipulem a permissão para recorrer a tribunais da justiça comum. Ao invés do recurso aos tribunais da justiça comum, deve-se prever a possibilidade de arbitragem. Tais disputas devem ser levadas a um tribunal de arbitragem independente e devidamente constituído reconhecido sob as regras da Associação ou Confederação ou ao CAS.

As Associações devem também assegurar que o aqui estipulado esteja implementado na Associação, se necessário pela imposição de uma obrigação vinculativa a seus membros. As Associações devem impor sanções a qualquer parte que falhar em respeitar esta obrigação e assegurar que qualquer apelação contra estas sanções devam similarmente ser estritamente submetidas a arbitragem, e não a tribunais da justiça comum.

Entendemos que o CBJD em seu artigo 231 estipule “a permissão para recorrer a tribunais da justiça comum”. Ademais, o CBJD não prevê em seus dispositivos previsão de corte arbitral nacional com ascendência para este tipo de recurso. Desta forma, esgotada que estava a instância da Justiça Comum, pela negação do recurso pelo presidente do STJD, restou ao Treze-PB recorrer, em seu direito, à Justiça comum.

O Treze tentou protestar contra o acordo, aparentemente ilegal assinado entre a CBF e o Rio Branco, mas teve ação julgada improcedente por parte do STJD e então  conseguiu via Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) uma liminar que o garante na Série C. A decisão assume que o Treze, quinto colocado na Série D 2011, faz jus à vaga na Série C 2012 pelos fatos de que o Rio Branco-AC deveria ter sido eliminado por ter sido beneficiado por decisão da Justiça Comum e que o Araguaína-TO teria sido o clube a ser rebaixado por pior performance técnica.

Contra o Treze-PB pesa o fato de o regulamento da Série C 2011, prever apenas o decesso do pior time de cada grupo na primeira fase e de o regulamento da Série D do mesmo ano prever que apenas os 4 melhores daquele campeonato teriam direito ao acesso e, apenas por este motivo, entendo que o Campeonato Brasileiro da Série C, no tocante a esta questão, deveria ser disputado pelo Araguaína-TO, que em cumprimento ao regulamento de 2011 (queda de um time por grupo), não deveria ter sido rebaixado, e não pelo Treze (como quinto colocado da Série D 2011 não faz jus à vaga) e Rio Branco-AC (beneficiado por decisão da Justiça Comum).

O mesmo CBJD prevê em seu artigo 111 a aplicação de penas de suspensão, desfiliação ou desvinculação. Notem que as mesmas só serão aplicadas após decisão definitiva da Justiça Desportiva, o que não é o caso da liminar emitida na semana passada pelo Presidente do STJD a pedido do Santo André.

Art. 111. A imposição das sanções de suspensão, desfiliação ou desvinculação, pelas entidades desportivas, com o objetivo de manter a ordem desportiva, somente serão aplicadas após decisão definitiva da Justiça Desportiva.

§ 1º No mesmo despacho, assinará ao atleta, à entidade de prática ou entidade de administração do desporto a que pertencer e aos demais responsáveis, quando houver, o prazo comum de cinco dias, para oferecer defesa escrita e as provas que tiver.

Além disso, os signatários do acordo por parte da CBF, em minha opinião, deveriam, no mínimo, ser afastados do esporte, pela confusão criada e pela chancela a um acordo notoriamente ilegal. São eles: Rubens Approbato Machado, presidente do STJD; Carlos Eugênio Lopes, diretor jurídico da CBF e Ricardo Teixeira, presidente da CBF. No nosso entendimento, o Congresso da FIFA não tem poder para desfiliar ou suspender clubes, ao contrário do informado no site Justiça Desportiva. Este tipo de pena só se aplica a membros já que conforme  o:

Capítulo 9 – Admissão, suspensão e expulsão do documento:

O Congresso deve decidir a respeito da admissão ou expulsão de um Membro.

Membro: uma Associação cuja filiação à FIFA foi aceita pelo Congresso – grifo nosso: ou seja, quem pode vir a ser expulso pelo Congresso da FIFA é a CBF e não clubes.

(…)

Capítulo 13 – Obrigação dos Membros

1. Membros têm as seguintes obrigações:

(a) obedecer plenamente aos estatutos, leis, diretivas e decisões das entidades da FIFA em qualquer época assim como às decisões da CAS, frutos de apelação de acordo com o especificado no artigo 62,§1° dos estatutos da FIFA.

(…)

(g) Gerenciar seus assuntos indepedentemente e assegurar que os mesmos não sofram interferências de partes terceiras. (artigo repetido também no CAp. 17 §1°)

2. Violação das obrigações acima  por qualquer membro pode acarretar na aplicação das sanções previstas nestes estatutos.

3. Violaçação do especificado no artigo 62,§1°pode também resultar em sanções ainda que a influência de uma terceira parte não tenha ocorrido por culpa do membro afetado.

O acordo assinado pela CBF com o Rio Branco-AC, é, em nossa visão, suficiente, para que a CBF, como entidade-membro, seja desfiliada da FIFA por não haver tido sucesso em cumprir o previsto no item 13.g. Daí o desespero da CBF em suspender os campeonatos das Séries C e D para tentar arrumar a casa.

O CASO BRASIL-RS x SANTO ANDRÉ-SP

Ainda no início do Campeonato Brasileiro da Série C de 2011, o Brasil-RS foi punido por conta da escalação irregular do lateral-direito Cláudio, que havia disputado a Série C-2010 pelo Ituiutaba (MG) e tinha sido expulso na última partida daquele campeonato, a decisão contra o ABC-RN. O time gaúcho, que o contratou no ano seguinte, e o próprio jogador não atentaram para o que determina o CBJD:

Art. 171. A suspensão por partida, prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato em que se verificou a infração.

§ 1º Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição, campeonato ou torneio realizado pela mesma entidade de administração ou, desde que requerido pelo punido e acritério do Presidente do órgão judicante, na forma de medida de interesse social.

(…)

Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.

Julgado pelo STJD, O Brasil perdeu seis pontos no STJD e acabou rebaixado na primeira fase da Série C 2011 apesar de, em campo, haver conquistado mais pontos que o Santo André-SP. O clube alega que o atleta Cláudio não pôde apresentar defesa por não ter sido notificado do julgamento. A decisão, no entanto, foi confirmada no Pleno do STJD.

O CBJD prevê que:

Art. 51-A. Se a pessoa a ser citada ou intimada não mais estiver vinculada à entidade a que o destinatário estiver vinculado, esta deverá tomar asprovidências cabíveis para que a citação ou intimação seja tempestivamente recebida por aquela. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Parágrafo único. Sujeitam-se às penas do art. 220-A, III, a entidade que deixar de tomar as providências mencionadas nocaput, salvo se demonstrada a impossibilidade de encontrar a pessoa a ser citada ou intimada. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), com fixação de prazo para cumprimento da obrigação. (Incluído pela Resolução CNE nº29 de 2009).

O Brasil acionou o TJ-RS, que concedeu uma liminar, alegando que Cláudio não foi notificado pelo Ituiutaba-MG do julgamento e da punição. Na sexta-feira, a CBF acatou e colocou o clube no Grupo B, substituindo o Santo André. O Santo André-SP, por sua vez, impetrou, e teve acatado, pedido de liminar pelo STJD, que acabou suspendendo o campeonato brasileiro das Série C e D. O TJ-RS chegou a propor uma audiência de conciliação e um acordo pelo qual o Brasil desistiria da luta pela vaga em 2012, mas teria direito a um lugar em 2013 ou 2014, além de compensação financeira. Como a CBF não compareceu à audiência de conciliação, a diretoria e departamento jurídico do Brasil-RS resolveram brigar pela vaga ainda no campeonato de 2012, embasados pela decisão judicial de primeira instância.

A CBF foi a Brasília tentar derrubar a liminar do Brasil de Pelotas, mas o STJ indeferiu o pedido. A ação fica restrita ao TJ-RS. Ressalte-se que o Brasil-RS recorreu à Justiça Comum apenas após ter esgotado no STJD suas possibilidades de recurso e que, em nossa opinião, o clube luta legalmente por um direito que alega ser seu.

Já o Santo André-SP parece ter se precipitado e ao invés de recorrer ao STJD, recorreu também à Justiça Comum do Rio Grande do Sul. De acordo com o site do Brasil-RS. em 23 de maio, o E. C. Santo André ingressou na Justiça Comum, sem esgotar as instâncias desportivas, objetivando ser reincluído na Série C do Campeonato Brasileiro 2012.

No dia seguinte, entretanto, obteve decisão desfavorável, mantendo-se, assim, em plena vigência a decisão que garantiu o Grêmio Esportivo Brasil na competição. Abaixo, a informação do Mandado de Segurança impetrado pelo E.C. Santo André na justiça comum.

Neste caso, a princípio, a punição por violação ao artigo 231 do CBJD deveria recair sobre o Santo André-SP, que deveria ter resistido à tentação e não recorrido à Justiça Comum e a punição ao Brasil ou ao Ituiutaba-MG deveriam ser pecuniárias e não de perda de pontos.. Quanto ao mérito da questão, resta ao Brasil-RS conseguir, em outra instância, demonstrar que o jogador Cláudio não foi notificado do julgamento. Já o Santo Andre, se o STJD mantiver as atitudes tomadas até então pode também punir o Santo André assim como teria feito com o Treze.

CONCLUSÃO

No momento, parece-nos estranha a possibilidade de desfiliar Treze-PB e Brasil-RS conforme chegou a ser anunciado por alguns sites. De acordo com os estatutos da FIFA, a CBF, que criou o imbróglio jurídico, é quem vai ter que resolver a situação. A esta altura do campeonato, qualquer que seja a decisão, o mal maior já está feito. A credibilidade que a Série C havia amealhado ao longo dos últimos anos foi por terra graças a decisões políticas e ilegais tomadas fora de campo. É uma pena.

Blog de Lua

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