Muitas vezes Felipão perguntou-se se valeria a pena ser técnico da seleção. Um cargo desse tamanho na véspera de uma Copa do Mundo talvez fosse equivalente ao da Presidência da República, em outros termos, naturalmente.
A IMPRENSA
A definição de quase tudo que estava na seleção como Família Scolari foi mudando positivamente de significação, como geralmente acontece com os assuntos de Luiz Felipe Scolari. A primeira acepção decorria por certo da designação primária de familiglia, própria da hierarquia criminosa da Máfia, só originariamente referente à constituição cotidiana das velhas famílias italianas com sua estrutura de poder doméstica e até certo ponto como símbolo de companheirismo, solidariedade e compromissos recíprocos. E se lamentou que fosse desfeita com a saída de Luiz Felipe do comando da Seleção, confirmada no encontro que teve com Ricardo Teixeira na nova sede carioca da CBF, na Barra da Tijuca, quarenta dias depois da conquista do Penta.
A Família era mesmo como sempre quis Felipão que ela fosse: um grupo animado de amigos, aparentado pelo trabalho e pelo entusiasmado objetivo comum. A homenagem que Fausto Silva lhe fez no programa dedicado ao Dia dos pais deste agosto de 2002, no Domingão do Faustão, da Rede Globo, elegendo-o como o Paizão do Ano, e dando provas testemunhais dessa sua reconhecida condição, fechou com o melhor significado de Família Scolari.
A Família foi a síntese de uma percepção errada que se fez. A cada lance bem sucedido no campo, especialmente os gols e sua jogada prudente, corriam autores e coadjuvantes para se abraçarem e, no mesmo gesto, abraçar o técnico que se levantava do banco, braços erguidos, socos no ar, vibrando. Como parecia um sexagenário quase escolar, houve quem suspeitasse se tratar de um temor reverencial pela autoridade punitiva: se não viessem abraçá-lo, dando provas de agradecimento, estavam ameaçados mais cedo ou mais tarde de perder o lugar no time. Um capro, bem entendido.
Mas era mesmo uma percepção errada. Porque essa é a relação que Felipão mantém sempre com seus jogadores. Basta consultar justamente os jogadores, não apenas os jovens e inexperientes, mas, sobretudo as estrelas, que na aparência parecem indomáveis e irreversivelmente egocêntricos. Ao contrário de um poderoso chefão, se pode testemunhar um solidário chefe de trabalho, cobrador, exigente, meticuloso e incansável no cumprimento das obrigações, sempre recíprocos, dele, da comissão técnica e dos jogadores. Mas generoso, bonachão e divertido, contador de piadas com um invariável comportamento pessoal idêntico ao de todo mundo, respeitando-se as hierarquias e os botões de comando, sempre com imperturbável solidariedade com seus jogadores.
As futuras críticas a Pelé estão nesse contexto.
O Felipe não é um sujeito tão estourado como dizem. É até dócil, bom de conviver. Ele e o Murtosa são os responsáveis pelo bom ambiente que se criou na Seleção durante a copa. Mais tem uma coisa, ele é adepto do bateu levou. Em muitas ocasiões é preciso acalmá-lo, empurrar para a frente uma decisão, para esfriar uma possível reação do Felipe, explica Paiva.
Bem que o assessor insistiu com o técnico de que brigar com um jornalista é o mesmo que brigar com toda a imprensa.
UM PAINEL DE FATO INVEJÁVEL EXIBE FELIPÃO
1) Tricampeão gaúcho (Grêmio em 1987, 1995 e 1996).
2) Campeão da Copa do Kuwait (Al Qadsia) em 1990.
3) Campeão da Copa do Golfo (Al Qadsia) em 1990.
4) Tricampeão da Copa do Brasil (Criciúma em 1991, Grêmio em 1994 e Palmeiras em 1998).
5) Bicampeão da Copa Libertadores da América (Grêmio em 1995 e Palmeiras em 1998).
6) Bicampeão da Copa Libertadores da América (Grêmio em 1995 e Palmeiras em 1999), campeão brasileiro (Grêmio em 1996).
7) Campeão da Recopa Sul-Americana (Grêmio em 1996).
8) Campeão da Copa Mercosul (Palmeiras em 1998).
9) Campeão do Torneio Rio-São Paulo (Palmeiras em 2000).
10) Campeão da Copa Sul-Minas (Cruzeiro em 2001).
Diários são feitos para serem lidos, ninguém escreve para deixá-los na gaveta ou para jogar fora. E o do Felipão era um diário especial, o relato de um dia depois do outro, treino, preleção, jogo descanso, folga, aquela densa convivência de jovens inexperientes com modernos e bem resolvidos jogadores com domicílio na Europa. E o mundo que poderia estar desabando ou sendo construído.
Sempre exigimos trabalho de espiões em nossos times no Brasil, e existe a contra espionagem, é muito usada. Num amistoso a Turquia usou.
(Continua na próxima semana)
Eduardo Pimentel
Técnico de Futebol
