DOPING E VIOLÊNCIA II
ERNESTO SANTOS
O futebol europeu sempre respeitou o sul-americano. Os brasileiros, mais ainda, pois chegam a nos admirar.
– Por isso, trataram de se precaver. Sem poder ganhar, conseguiram encontrar uma solução: não nos deixar jogar. Hoje, isso se acentuou porque todos jogam assim. Antes, só os europeus. E na razão direta de uma melhor preparação física, isso se acentua mais ainda. Uma preparação física, que é bom esclarecer, sempre melhorou ano a ano. Não é de agora. Desde 39, quando se fundou a Escola de Educação Física. Havia, inclusive, intercâmbio. Antes, havia a Escola do Exército, embora não formasse gente para o futebol. Em 70, essa evolução notabilizou-se. Uma programação tão boa que se cuidou até para o esforço na altitude, graças a um trabalho do professor Lamartine.
Passou-se a exigir mais do atleta e ele, para dar esse mais, teria que estar melhor fisicamente.
– O que ocorre é que nem sempre o jogador entende que está se preparando para jogar melhor. E sim para ser viril ou até desleal. Essa violência que se acusa, decorre disso. Jogadores melhores preparados fisicamente, mas sem orientação psicológica.
Os europeus sempre jogaram bem. E tiveram grandes jogadores. Claro está, afirma o ex-catedrático da Escola de Educação Física da UFRJ e, hoje da UERJ, sem o grande número e habilidade dos brasileiros. E o timaço da Hungria de 54? Puskas e Cia? E, depois, a base e a seleção, o Honved que deu shows aqui mesmo no Brasil? E o Ajax? A própria Seleção Holandesa de 74, em especial? O Real Madrid dos bons tempos.
– Esse negócio de cintura dura é lenda. O europeu sempre jogou grande futebol, mais solto, mais corrido. E essa luta América x Europa, pela hegemonia, tem mais de 30 anos. Desde o Mundial. No encontro, há o choque de escolas, de características. Isso se situou aqui, também. Até certo ponto está gerando a violência. Afinal de contas, também aqui existem os maus jogadores: bem fisicamente, porém mal psicologicamente e de técnica ruim. Fatores externos também levam à maior virilidade generalizada ou a violência, tais como o próprio técnico que pode ordenar o jogo desleal ou o dirigente que promete prêmios absurdos. O que se observa é consequência de todas essas situações.
– Mas isto não poderia chegar aqui, correto? Pelo menos, individualmente, continuamos superiores, tecnicamente.
-Não se pode tomar por base apenas a seleção. E por acaso não temos times ruins, jogadores ruins? O próprio raciocínio deste tipo de jogador o leva a “acertar a canela do adversário, pois assim eu o intimido e não o deixo jogar”.
– Hoje, se ouve falar até na Europa que o nosso futebol está violento ou muito viril. Em 66, nós saímos da Copa devido à determinação de não nos deixar jogar. Pouco antes da Copa de 78, o Brasil voltou a Wembley, não ganhou e ainda saiu rotulado de violento. Exatamente onde não deveria existir tanta virilidade e a obsessão de não deixar jogar, o Brasil, no caso, é onde se acentua mais o problema, correto?
– Cada equipe é o retrato do seu treinador. Ou o futebol de um país, o retrato de seus treinadores. Um time joga de acordo com quem o dirige. Cada um tem sua filosofia. Na concepção de alguns, a condição física é mais importante. A luta, a disputa da bola. Não se pode fazer conforme estão fazendo, de um modo geral, pois é impossível equilibrar-se a ação entre dois jogadores de estilos diferentes. Uns constroem, outros destroem. Casos de Pelé e Vavá. Um se completava no outro. Agora, querer que os dois fizessem a mesma coisa, impossível. Hoje mesmo, não se poderia instruir Didi para defender, destruir, pois isso lhe prejudicaria demais naquilo que sabe fazer como poucos: criar. Um Bráulio também não pode receber instruções desse tipo. Em 74, no próprio América, ele era um dos melhores do time. O América, o melhor do Rio. Mas quem destruía por eles? Renato e Ivo.
– Estão exagerando no Brasil na ação de jogar e não deixar jogar.
– Um absurdo. Querer que Rivelino combata, destrua, é um crime. Ele, para agir assim, vai dar pontapé. Não sabe. Ou impedir que Marinho vá ao ataque, jogando na lateral. O que essa gente precisa entender é que existem os Mericas e os Zicos. Uns completam os outros.
Estão impedindo o aparecimento de novos craques, não tanto Pelé e Garrincha, mas novos Gersons, por exemplo, com essa violência à característica. Certo?
– Estamos contrariando à própria escola, técnica por natureza e que nos deu três Copas. Está-se dando filosofia de luta, de briga. Temos que respeitar a característica e, não fazendo isso, passamos também a despersonalizar grandes jogadores. Os exemplos são muitos. Prefiro não citar nomes. As grandes equipes se fazem da soma de características. Temos que compensar os que sabem jogar com aqueles que são mais de não deixar jogar. O sujeito exigindo luta, briga de um craque é querer acabar com ele e levá-lo até a ser violento.
Quando uma Seleção Brasileira abusa do jogo viril – para alguns, da violência – conforme fez em Wembley, recentemente, é prova de verdadeiro crime da maioria de nossos técnicos.
– Vocês já imaginaram Pelé no futebol brasileiro de hoje, com instruções para marcar, destruir, com determinações absurdas? É claro que ele não encontraria normalmente as mesmas facilidades de antes. Mas longe de querer violentar a sua genialidade, o seu poder criativo, a sua característica. Em Wembley, pouco antes da Copa da Argentina, ficou provado também que o futebol europeu se transformou de 66 para cá. Em 62, o Brasil teve 11 monstros da bola. Hoje se pegarmos o time da Alemanha e vestirmos a camisa do Fluminense ou Flamengo, não irá haver diferença. Hoje, o próprio biótipo do europeu é diferente. Eles escolhem a dedo um jogador e visando mais a habilidade. Não mais a força física, o gigante. Enquanto isso, invertemos o negócio aqui.
Futebol brasileiro violento não é verdade, reafirma o Professor Ernesto Santos. Maior virilidade, em função do que já foi explicado, sim.
– Tanto assim é que venho observando que a maioria das contusões sáo de músculos. É uma de nossas maiores queixas. Quer dizer, elas não têm a ver com contusões provocadas por choques. E isso só é explicado numa inadequada preparação física. Há muito aparelho entrando na preparação. Mito encurtamento de músculo. Contusões desse tipo em Teste de Cooper? Resultado de músculos encurtados, endurecidos. O jogador tem que ter seus movimentos totalmente livres, soltos. Os músculos alargados.
Seria então o caso de se colocar um halterofilista para jogar futebol? Todo duro, pernas presas, aquilo que se vê em peladas por aí.
– Exatamente.
DOPING
Observador da CBD, de 58 a 66, Ernesto Santos foi supervisor do Fluminense por duas vezes. Na segunda, em 71, campeão da Taça de Prata (hoje, Campeonato Brasileiro). Foi também técnico do Flamengo, em 47, e do Vasco, em 66, Um dos grandes beques do futebol brasileiro, ele jogou no Andaraí, Vasco, Fluminense e São Cristóvão, onde foi campeão carioca. Em Portugal, repetiu o título no Porto. Encerrou a carreira de jogador no Fluminense. Professor de Educação Física e Futebol desde 1940, hoje é Catedrático da UERJ. A maioria dos atuais técnicos é de seus alunos. Muitos, e não foi ele quem afirmou, contrariam inteiramente o que lhes foi ensinado. Há muita despersonalização entre os próprios técnicos.
Ernesto Santos é, sem dúvida alguma, um dos maiores nomes do futebol brasileiro. O seu depoimento, valiosíssimo. Mesmo sobre o doping, um assunto que ele preferiu não comentar, mas acabou cedendo. Falou pouco, mas, para o bom entendedor, demais.
– É assunto da medicina esportiva e do dirigente, a quem cabe regulamentar o exame antidoping. No meu tempo, não havia mesmo. Éramos amadores. E mesmo algum tempo depois de implantado o profissionalismo, em 33, também não. Mas hoje em dia não há a menor dúvida. Muitos casos comprovados.
Particularmente, o catedrático da UERJ tem o que contar.
– Eu era supervisor do Fluminense, em 71. Fomos a Vitória, para um amistoso. Tão logo entramos no vestiário, pouco antes ocupado por uma equipe que fez a preliminar, encontramos ampolas vazias. O nosso médico comprovou tratar-se de doping. Não houve sequer o cuidado de esconder. Há também o doping psicológico, que condeno. Esses prêmios altos que levam o atleta até mesmo a usar da violência, se for necessário.
Ernesto Santo concorda plenamente com os médicos Valdir Luiz e José Luis Fracaroll: que se regulamente urgentemente o exame antidoping.
– É preciso acabar com esse verdadeiro crime contra o ser humano. Quantos se aproveitam da ignorância e inconsciência de determinados jogadores, que até se sentem bem sem saber das consequências? Uma providência tem que ser tomada com urgência em defesa do próprio esporte.
Eduardo Pimentel
Técnico de Futebol