Caso curioso na história do futebol é o de Giovanni Trappatoni. Raros foram os treinadores com vocação para transmitir o que aprenderam ao longo da carreira como jogador. Raros também os que tiveram facilidade para aplicar esquemas de acordo com a qualidade dos comandados. Trappatoni nasceu em Milão. Fez sua carreira no Milan e ganhou notoriedade no Brasil por conta de uma lenda de que teria anulado Pelé no Estádio San Siro. A vitória de 3 a 0 da Itália sobre o Brasil ajudou a alimentar o folclore, naqueles tempos de rádio transistor e Telex. Na realidade, Pelé estava machucado e jogou 25 minutos quase mancando para cumprir exigência contratual. Trappatoni limitou-se a tomar-lhe uma bola, como quem toma o doce de uma criança.
Caso curioso, o de Trappatoni. Ao deixar os gramados, em 1973, iniciou-se como técnico do Milan, mas não foi lá muito bem sucedido, trocando o rubro-negro pelo Juventus, onde fez fama e fortuna conquistando em dez anos de trabalho duas copas Itália, seis campeonatos italianos, uma copa da UEFA, uma Recopa europeia, dois títulos continentais e um mundial, em 1986. Passou pela Internazionale, campeão nacional em 1989, voltou à Juventus – ganhou a Copa da UEFA em 1993 e dirigiu por três temporadas o Bayern de Munique – conquistou o título alemão em 1997.
Seu último clube foi a Fiorentina que poderia ter levado ao Sendetto. Seu maior adversário, absolutamente imprevisto, foi o Acadêmicos do Salgueiro, pela escola de samba carioca, o atacante Edmundo abandonou o time na reta final do campeonato de 1999. Fugiu para o Rio, brincou o Carnaval. Sem Edmundo a Fiorentina sambou: acabou em terceiro lugar.
Caso curioso, o de Trappatoni. Em outubro de 1991, foi praticamente aclamado como substituto de Azeglio Vicini no comando da seleção italiana, mas levou uma “rasteira” do todo-poderoso presidente do Milan, Silvio Berlusconi, que cismou de impor à Federação o treinador de seu clube, Arrigo Sacchgi. E assim se fez.
Curiosa mesmo a trajetória de Trappatoni. Quando todos pensavam que havia chegado o momento de o treinador retirar-se de cena, eis que a Federação decide, enfim, nomeá-lo para dirigir a sua seleção nas eliminatórias para o Mundial de 2002. Raras vezes a esquadra Azzurra classificou-se para uma copa com tanta facilidade.
Aí está ele.
Um técnico polêmico, Trappatoni. Tão polêmico quanto Cláudio Pêcego de Morais Coutinho, que não conseguiu levar o Brasil ao título mundial em 1978, perdido entre Overlappings, pontos futuros e polivalências, mas que provou seu valor após a copa, montando o melhor time da história do Flamengo. Coutinho nasceu em Dom Pedrito R.S., em 5 de janeiro de 1939. Graduou-se capitão do Exército, especializou-se em educação física e transformou-se em treinador e num meticuloso estudioso do futebol. Sporte “Ilustrated”, de Dom Herbst, e Tatius de Charles Husten, eram seus livros de cabeceira. Participou da comissão técnica no tri em 1970 no México.
Chegou ao Flamengo em 1976. No ano seguinte passou a dividir seu tempo entre a Gávea e a Seleção brasileira.
Havia, na ocasião, o consenso de que seria possível formar uma “seleção permanente”, cuja estrutura seria montada por Coutinho. A ideia não tinha nada de original. Dois cariocas apresentaram-na como solução, ainda nos anos 60, Jorge Vieira, um dos mais jovens treinadores campeões do Rio, aos 27 anos, com o América em 1960.
Mais tarde ganhou os títulos paulista de 1979 e 1983 no Corinthians e Admildo de Abreu Chirol, vencedor do Rio-São Paulo pelo Botafogo em 1966. Ambos, e verdade, reconheceriam que eram muitos os obstáculos à criação do projeto, especialmente o calendário e a eterna resistência dos clubes em ceder jogadores. O próprio Coutinho logo percebeu que seria impossível levar a tarefa adiante e a CBD acabou se conformando.
Coutinho retomou o trabalho no Flamengo após o Mundial de 1978, reformulando alguns conceitos, convencido, enfim, de que não valia a pena levar ao pé da letra todos os ensinamentos que lhe mostravam os livros e os cursos teóricos. Logo montou um estilo de jogo que só seria possível com os raros talentos que estavam às suas mãos, como Leandro, Júnior, Andrade, Paulo Cesar Carpeggiani, Adilio, Tita, Cláudio Adão e Zico. O time valorizava o toque de cada artista, evitando rifar a bola – caso não houvesse um companheiro bem colocado para finalizar, a ordem era retroceder, reiniciando da retaguarda, se necessário a construção da jogada.
Depois de algum tempo de prática, o time passou a executar tal estilo com maior velocidade, encurralando o adversário nos primeiros 15 minutos, com o objetivo de decidir a partida antes que oponente pudesse respirar, a exemplo do que fazem determinados pugilistas. Não era o pressing de Yustrich e de Radice. Havia qualidade. Com Coutinho, o Flamengo foi Tri da Taça Guanabara em 1980; Tri Carioca em 1979 e campeão brasileiro em 1980. Em 1981 Coutinho trocou o rubro-negro pelo Los Angeles Aztecas dos EUA, para fazer a independência financeira.
Foi Coutinho – quem lembra? O primeiro a propor a prática do futebol com dez jogadores de cada lado, “para aumentar os espaços”. Isso em 13 de agosto de 19870. O jornal italiano Carriere dello Sport dedicou uma página inteira ao assunto. Ouviu várias personalidades. Coutinho recebeu uma chuva de críticas. O sueco Nils Lindholm, técnico da Roma, ironizou.
“Faço outra proposta: um time com sete jogadores, como no hóquei sobre patins”, disse.
Em 1994 Carlos Alberto Parreira renovou a proposta “isso melhoraria em muito o espetáculo, pois sobrariam espaços, favorecendo os habilidosos” durante palestra proferida no seminário. Um dia de estudos sobre a Copa do Mundo, realizada na sede da FIFA, em Zurique.
Eduardo Pimentel
Técnico de Futebol