Quando se diz Treinamento de Futebol, e afirmamos que isto não existe no Brasil, queremos nos referir evidentemente as práticas de antes de jogo. Isto no máximo poderia ser chamado de apronto para a competição. É só isto, exclusivamente isto, que é feito em nosso país. Excepcionalmente, a seleção brasileira quando se preparou para disputar a Copa do Mundo em 58 e 62 fez treinamento digno do nome.
Os clubes, em sua rotina, só fazem aprontos. Não temos propriamente uma temporada de futebol. O futebol é jogado pelos clubes principais todo o tempo. Um jogo é em cima do outro e o que se chama de treinamento no Brasil, é o empapelamento que se faz entre uma partida e outra, que, em média, se realiza nos próximos dias.
Uma vez, conversando com o treinador Osvaldo Brandão a propósito da estupidez do campeonato paulista, perguntei-lhe como faria para acertar o time, caso fosse preciso. Brandão respondeu: “Eu treino eles só na conversa. Há dois meses que nem bate-bola posso fazer”.
O caso de Osvaldo Brandão é o de todos os treinadores dos grandes times brasileiros. A atividade ininterrupta impede completamente que qualquer coisa séria seja feita.
Possuímos o melhor material humano do mundo. Em futebol, ou melhor, no futebol brasileiro, pode ser feito o que os Globe-Trotters fazem no basquete. A falta de treinamento adequado impede isto. Impede que o fabuloso talento do jogador brasileiro seja aproveitado em toda sua plenitude.
Quando afirmamos que possuímos o melhor material humano do mundo, não se trata de jacobinismo ou de arrogância sem conteúdo. Possuímos o melhor material do mundo porque reunimos uma série de condições que outros países não possuem. A primeira delas e a mais importante, é que o futebol no Brasil é paixão popular, uma massa incalculável dele, participa ativamente. O futebol não ocupa em relação a outros esportes apenas um lugar de destaque. Embora existam muitos ativistas de outros esportes, o número dos do futebol é fantasticamente esmagador. Do ponto de vista do torcedor, também somos, de forma destacada, o país que leva mais público aos estádios. Não foi por acaso que quando patrocinamos a Copa do Mundo em 1950, houve necessidades de ser construído um estádio para duzentas e vinte mil pessoas. Os que veem em segundo lugar, Hampdon Park, na Escócia, e Lênin, em Moscou, abrigam somente cento e vinte mil.
A segunda condição que nos dá ao primeiro lugar na qualidade do material humano é que em nosso país, devido às condições geográficas, o futebol pode ser praticado todo o ano. O clima nos favorece e o atleta tem permanentemente um aquecimento que o torna um homem de músculos flexíveis e soltos, capazes, portanto, de atenderem aos reflexos indispensáveis ao bom jogador. Existem vários países que têm as mesmas condições geográficas e climáticas, na América do Sul e na África, por exemplo, mais não reúnem ao mesmo tempo a primeira condição. O México, Paraguai, África do Sul e Argentina poderiam ser melhores se, no México, não houvesse tanto entusiasmo pelas touradas. Se no Paraguai houvesse mais campos de futebol, mais densidade demográfica e mais desenvolvimento industrial. Se na África do Sul o racismo não impedisse a maioria da população de participar do jogo. Se na Argentina o futebol não se limitasse quase que a Buenos Aires, Rosário e La Plata, e não houvesse o clima frio dos meses de inverno que leva a um enrijecimento muscular desfavorável.
Os países da Europa compensam, de certa maneira, suas desvantagens com um treinamento realmente digno do nome, com um material humano portador de melhor saúde hereditária e com uma aplicação estratégica e tática do jogo em nível mais elevado.
Bibliografia
Os Subterrâneos do Futebol Brasileiro. João Saldanha.
Eduardo Pimentel
Técnico de Futebol
