FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA - “OLÉ” NASCEU NO MÉXICO II - SóEsporte
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FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA – “OLÉ” NASCEU NO MÉXICO II

Nunca assisti a coisa igual. Só a torcida mexicana com seu traquejo de tomadas poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um olé daquele tamanho. Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: “ooooooolê”! O som do olé mexicano é diferente do nosso. O deles é o típico das touradas. Começa com um ô prolongado, em tom bem grave, parecendo um vento forte, vem crescendo e termina com a sílaba “lê” dita de forma rápida. Aqui é ao contrário: acentua-se mais o final “lé”: “Oleéé”! Sem separar, com nitidez, as sílabas em tom aberto.

Verdadeira festa. Num dos momentos em que Vairo estava parado em frente a Garrincha, um dos clarins dos mariacheles atacou aquele trecho  da Carmen que é tocado na abertura das touradas. Quase veio abaixo o Estádio Universitário.

Numa jogada de Garrincha, Quarentinha completou com o gol vazio e fez nosso gol. O River reagiu e também fez o dele. Didi ainda fez outro, de fora da área, numa jogada que viera de um corner, mas o juiz anulou, por que Paulo Valentim estava junto à baliza. Embora a bola tivesse entrado do outro lado, o árbitro considerou ilegal. De fato, Paulinho estava em impedido. Havia um bolo de jogadores na área, mas o árbitro estava bem ali. E Paulinho poderia estar distraindo a atenção de Carrizo. O jogo terminou empatado. Vairo não foi até ao fim. Mirella tirou ddo campo bem perto de nós no banco vizinho. Vairo saiu rindo e exclamando: “No hay nada que hacer. Imposible” – e dirigindo-se ao suplente que entrava, gozou:

– Buane suerte (boa sorte) muchacho. Pero antes aconsijo (aconselho) que escribas (escreva) algo a tu mamá. O jogo terminou empatado e uma multidão invadiu o campo. O jarrito (raça) de oro (ouro), que só seria entregue ao melhorar em campo, no dia seguinte, depois de uma votação no Café Tupinambá, foi entregue ali mesmo a Garrincha. Os torcedores agarraram-no e deram uma volta olímpica carregando Mané nos ombros sob ensurdecedora ovação da torcida. No dia seguinte os jornais acharam que tínhamos vencido o jogo, considerando o tal gol como válido. Mas só decidiram, e isto poucas linhas. O resto das reportagens e crônicas foi sobre Garrincha.

As agências telegráficas enviaram longas mensagens sobre o acontecimento e deram grande destaque ao olé. As notícias repercutiram bastante ao Rio e a torcida carioca consagrou o olé. Assim foi consagrado o olé, no Rio de Janeiro. Uma gozação popular tão discutida, mas que representou um que representa um sentimento da multidão.

Já tentaram acabar com o olé. Os árbitros de futebol, com sua inequívoca vocação para levar vaias, discutiram o assunto em congresso e resolveram adotar sanções. Mas como aplica-las? Expulsando a torcida do estádio? Verificando o ridículo a que estavam expostos, deixam cada dia mais o assunto de lado. É melhor assim. É mais fácil derrubar um governo do que acabar com o olé.

Não poderia ter havido maior justiça a um jogador que a que foi feita pelos mexicanos a Mané Garrincha. Garrincha é o próprio Olé. Dentro e fora do campo, jamais vi alguém tão desconcertante, tão driblador. É impossível adivinhar-se o lado por onde Mané vai sair da enrascada. Foi a coisa mais justa do mundo que Garrincha tivesse sido o inspirador do Olé.

Faltavam seis dias para a volta ao Brasil. Antes do jogo Zacatepe teríamos o carnaval. Aliás, já estávamos em pleno carnaval. O domingo do jogo do River sido o domingo gordo. Quase ninguém percebera. Só os que andam com a folhinha na cabeça. Alguém falou: “Vocês sabem que estamos em pleno carnaval?”

Uma bateria foi logo formada. Amoroso, Ademar, Amauri e Tomé pegaram garfos e copos e, fazendo a mesa de surdo, formaram um bloco de sujo. Mas faltava algumas coisas, e foi Adalberto quem descobriu:

– Falta um crioulo aí nessa bateria.

Pegou no surdo, marcou o compasso e o ritmo modificou-se como que por encanto. Chegaram Sete-Boia e Didi e o negócio engrossou de verdade.

Tem uma cidade aí por perto que tem carnaval. Vamos lá?

A cidade que tinha carnaval “como no Rio de Janeiro” era Vera Cruz, porto do Atlântico. Mas não era tão perto assim. Umas cinco horas bem medidas, assim mesmo se fosse um bom carro. Fizemos uma vaca e a alugamos dois taxis para ir a Vera Cruz. Quatro pessoas em cada um. Amauri, Tomé, Neivaldo e eu em um e Sete-Boia, Didi, Edson e Amoroso no outro.

Chegamos lá e não vimos movimento algum. Pergunta daqui pergunta dali e achamos o “carnaval” numa rua perto do porto. Apenas gente pra lá e pra cá, ninguém fantasiado e a música de um alto falante com um pasodoble. Três ou quatro carros alegóricos muito mirambembes, que já haviam desfilados mais cedo, estavam encostados tristes, num beco transversal. Ficamos um a olhar para o outro com cara de besta e já íamos cair fora daquela fria, quando os transeuntes que normalmente estavam por ali começaram a se agitar e gritar: Os palhaços! Olhamos na direção do alvoroço e lá vinham pulando, meio sem graça e sem equilíbrio, uns foliões fantasiados de macacão de palhaço. O original dos tais palhaços é que usavam uma cabeça enorme.

Alguns teriam quase dois metros e davam um aspecto disforme em relação ao corpo pequeno. Os palhaços desfilavam em silêncio e, como talvez estivessem cansados, apenas davam umas voltinhas sem graça, girando como pião que já está para cair.

Apenas um dos palhaços rebolavam bastante, por sinal, era o centro das atenções. Sua cabeça assemelhava-se à de um totem e ia e vinha em evolução bem originas. O povo bateu muita palma. Logo adiante, o palhaço animado, resolveu parar. Talvez para tomar alguma coisa, pois se dirigiu a um bar. Nós também sentimos sede e, como não tínhamos mais nada que fazer, entramos no mesmo bar. Foi o ponto alto do nosso carnaval: Mané Garrincha, vestido de palhaço, com a enorme máscara de totem colocada no chão, mas que lhe passava em altura, estava calmamente sentado numa mesa tomando uma cerveja. Parados, em volta, uns quatro ou cinco curiosos olhavam o folião, em silêncio.

Não são de nada. Estou aqui desde o meio-dia, vim de ônibus, saí cedinho do hotel. Aquele cara do avião disse que o carnaval daqui era o máximo. Já estou cheio. Quando é que vocês vão embora?

– Mas Mané, onde é que você arranjou este troço? Perguntou Tomé. – Onde é que você arranjou esta máscara deste tamanho? Isto deve ter custado uma nota alta.

– Nada – respondeu o Torto – foi um cara que andou por aí que me emprestou. Ele foi embora para casa e me deu o endereço para ir levar depois. Mas eu acho que vou deixar isto por aqui mesmo, já estou cheio. Estes caretas não brincam, só ficam andando.

Quando voltamos para os carros, Tomé exclamou: – Pombas, gastei todo o meu bicho neste carnaval e só tomei um copo de cerveja. Se eu pego aquele cara do avião que disse que o carnaval desse lugar é igual ao do Rio, ele vai ter de me pagar essa despesa de carro.

 

Bibliografia

 

Os subterrâneos do futebol. João Saldanha.

 

Eduardo Pimentel

Técnico de Futebol

 

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