FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA - PELÉ: A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO I - SóEsporte
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FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA – PELÉ: A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO I

FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA

PELÉ: A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO I

Um dia o Valdemar de Brito veio com uma novidade: Eu gostaria que vocês não lessem jornais de esportes. Por enquanto isso não faz nenhum bem a vocês. Só atrapalha o nosso trabalho.

Ele sentia que o perigo da “máscara” estava rondando alguns garotos, daí o seu cuidado em evitar que ficássemos a ler tudo o que já se escrevia a respeito do Baquinho.

Um sujeito envaidecido só tem olhos para as suas virtudes. Não vê os próprios defeitos, e isso é muito ruim, principalmente para um jogador de futebol.

Você só tem o que aprender com Valdemar. Procure prestar toda a sua atenção no que ele ensinar.

Nosso técnico era dureza, quando saíamos fora do sério. Isso raramente acontecia, mas, quando acontecia, ele tomava logo as medidas mais drásticas. Ia falar com os pais de cada um dos faltosos. Geralmente isso acontecia quando ele pegava alguém fumando ou fazendo outra coisa qualquer, que fosse contra o regulamento.

Jogador indisciplinado não fica comigo, dizia ele aos faltosos, numa advertência que se cumpria sempre, quando um ou outro não levava a coisa a sério.

Antes de expulsar os malandros do time, Waldemar ainda tentava conseguir que os próprios pais destes os corrigissem e voltava a falar com eles.

Valdemar de Brito preferia treinar o nosso time do que o primeirão.

Esses já trazem vícios que ninguém mais é capaz de corrigir! dizia. No campo, durante os treinamentos individuais ou coletivos, eu procurava ser o melhor aluno do técnico. Ouvia com atenção os seus ensinamentos e procurava colocar em prática tudo o que ele dizia. Ele nos ensinava carregar a bola de forma correta, chutar de todas as maneiras possíveis, armar o jogo, tudo, enfim, que um técnico como ele poderia ensinar a alunos como nós.

Percebi, desde logo, que Valdemar de Brito tinha um particular interesse por mim, embora nos tratasse com igual atenção.

Você tem futuro, garoto. Mas ainda tem o que aprender para ser um craque, disse-me ele certa vez.

Ele corrigia os meus defeitos, mas me deixava à vontade para tentar certas jogadas que, aos de outro qualquer, poderiam parecer individualismo excessivo.

Todo caminho é válido quando procuramos o gol, dizia.

Valdemar de Brito foi embora: não houve um só garoto que não tivesse ficado amargurado com a má notícia. Eu mesmo fiquei chateadíssimo, principalmente na hora em que ele se despediu de todos nós.

O time do “Radium”, fomos campeões do torneio de futebol de salão. Eu fui o artilheiro daquele certame, com 40 gols.

Eu ainda não passava de um negrinho espigado, franzino, mas metido a sebo, quando tinha uma bola nos pés, quando o Tim, do Bangu, apareceu em Bauru. Tinha ouvido falar de mim e veio me buscar para seu clube. Era a primeira chance que me aparecia, para jogar num time de uma cidade grande, como o Rio de Janeiro.

Quando eu soube da notícia fiquei louco de alegria e cheguei a pensar que iria mesmo para o Bangu. O Tim foi falar com meu pai, pois tudo dependia da palavra dele. Eu era menor de idade ainda, e não podia decidir nada sozinho. E nem queria. Sempre confiei muito em papai e tinha absoluta certeza de que a decisão dele seria a mais acertada.

Não sei se papai não quis dizer não ao Tim, mas o fato é que colocou a questão nas mãos de minha mãe: Se ela deixar, ele irá.

Mamãe quase não deixou que a explicação dos fatos chegasse ao fim: – Você está louco, Dodinho? Ele é uma criança ainda!

Em resumo, mamãe achava que eu ainda não tinha idade e nem juízo, para sair de casa. Assim, o Tim voltou para o Rio sozinho. Eu fiquei em Bauru, jogando pelo Radium e pelo Noroestinho. Não cheguei a ficar triste por ter perdido aquela primeira oportunidade, pois entendi que mamãe tinha razão de sobra para me prender junto dela.

Passado algum tempo, porém, o Valdemar de Brito apareceu em Bauru para me buscar. Era amigo da família, papai e mamãe confiavam nele. Mesmo assim, porém, ele teve que convencê-los a me deixarem ir para Santos. – Jà arranjei tudo com o Athiê. Dondiinho!… Time de jovens e lá ele terá mais chance de que em qualquer outro clube!

Convencer papai até que não foi difícil. A dureza, porém, foi convencer minha mãe. Tal como havia acontecido antes, quando o Tim quis me levar para o Bangu, ela não queria saber de me deixar ir pra longe dela.

Papai estava do lado de Valdemar de Brito, e acho que foi isso que decidiu a parada a meu favor. Mamãe acabou concordando, desde que o próprio Valdemar me olhasse, em Santos.

Valdemar me dizia: você tem que fazer de conta que está jogando numa “pelada” qualquer, em Bauru.

– Sim senhor.

– Não vá se impressionar com os “cartazes” que tiver pela frente. Você pode jogar bem e vai jogar bem.

Acrescentou, depois de medir bem a minha reação diante daquelas suas primeiras palavras: mas se você ficar muito inibido, não faz mal, terá muito tempo para se adaptar na Vila Belmiro. E vai ver como o pessoal de lá é cem por cento. Você não terá problema.

Pelas palavras de Valdemar de Brito em sentia que ele confiava em mim. Isso, ao invés de me sobrecarregar de responsabilidade, deu-me a sensação de confiança que eu achei que tudo iria dar certo pra mim. E nada de seguir as más companhias, heim?

Nada de fumar, de beber… e andar atrás de mulheres também.

Achei graça naquele conselho, principalmente no que dizia respeito a não andar atrás de mulheres. Eu nem sequer pensava em mulheres naquela altura. Em Bauru, logo depois de ter completado catorze anos, eu tivera uma aventura com certa fulana de má fama na cidade, mas foi coisa passada (passageira), que não pude evitar. Fora só aquela vez, a primeira da minha vida, e quase morri de medo de ter pego uma doença dela. O Zinho, que foi quem me carregou para aquela aventura, parecia um entendido no assunto:

– Se não apareceu nada até agora, não aparece mais.

Um belo dia, porém, fomos jogar em Cubatão. O Lula levou um time misto pra lá, pois o jogo era amistoso e o adversário não era lá grande coisa. Foi quando entrei no quadro titular pela primeira vez, embora sem ter muito dos grandes “cobras” ao meu lado.

DICIONÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO

Bom de bola – Designação de jogador ou do time que joga bem, que ganha partidas.

Bonde– Mau jogador, jogador lento, pesado.

Bota– Chuteira; abreviatura de Botafogo.

Braçadeira– Faixa que o capitão do time usa no braço.

Brecha– Espaço eventual e estreito que surge numa formação defensiva e pelo qual o adversário pode lançar ou mesmo penetrar.

Brincar nas onze– Expressão pela qual um jogador se diz capaz de jogar em qualquer posição de um time.

Cabeça-de-área– Médio volante; volante; jogador que fica à frente dos zagueiros, dando o primeiro combate aos adversários.

Cabeça-de-bagre– Mau jogador, jogador limitado tecnicamente.

Cabeceador– Aquele que cabeceia bem e com frequência.

Eduardo Pimentel

Professor e técnico de futebol

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