FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA PELÉ A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO II - SóEsporte
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FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA PELÉ A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO II

FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA

PELÉ A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO

Lembro-me que o Dorval, o Pioti, o Zinho e o Raimundinho também jogaram. Ganhamos de seis a um e quatro dos nossos gols fui eu que marquei.

Numa concentração de jogadores a gente logo fica conhecendo, muito bem, os companheiros. No Santos, em pouco tempo, aprendi com quem podia brincar, e em que momentos eles aceitavam brincadeiras. Para mim nunca havia qualquer problema, pois eu tinha a vida mansa – como eles mesmos diziam. Mas havia os que aguardavam o momento de entrar em campo. Uns tinham negócios particulares, outros tinham problemas físicos que os tornavam um tanto quanto preocupados.

O Lula era mais um pai da turma do que propriamente um técnico. Senti isso logo que cheguei a Vila Belmiro. Ele tratava todo mundo da mesma forma, mais como amigo do que como homens que estavam sob as suas ordens. Resolvia todos os casos com a maior naturalidade, sem procurar criar problemas. Os jogadores gostavam dele, e ele dos jogadores. Aquilo me parecia mais uma grande família, cujos probleminhas nunca tinha importância de fato.

Lula parecia adivinhar quando um jogador precisava mesmo deixar a concentração por algumas horas, para solucionar este ou aquele caso. Ninguém abusava de sua bondade, e ai daquele que o fizesse. Ele também sabia ser rigoroso, embora preferisse, sempre, a brandura.

Eu ainda não tinha dezesseis anos quando senti, pela primeira vez, a emoção de vestir a camisa da Seleção do Brasil. Foi na Copa Roca, contra a Argentina. Antes de sair a lista dos convocados, muita gente veio me dizer:

– Você vai ser convocado, Pelé! Eu ria, e por dentro, achava que a turma estava exagerando.

Lembro-me, ainda, o que aconteceu na noite daquele jogo-treino. O Pacaembu estava lotado e quando entramos em campo, recebemos uma vaia espetacular. Parecia que todo o público estava contra nós, e que éramos todos culpados por Luisinho ter ficado de fora. Ao contrário do que aconteceu conosco, quando o Corinthians entrou em campo, foi só rojão que estourava, aplaudia e gritava o nome do Corinthians e de Luizinho, parecia que nós éramos o Corinthians e o Corinthians a seleção que iria defender o Brasil na Suécia.

Sentado fora da cancha, eu ficava pensando na minha situação, sentindo uma vontade louca de jogar também.

Resolvia, então, que fingia já estar com o joelho em ordem, para que seu Feola, me deixasse jogar. Eram pensamentos bobos, porém eu não podia nem sequer pisar no chão!

Fomos para a Suécia, e eu ainda com o joelho arrebentado. Aliás, antes de seguirmos viagem, fui falar com o Dr. Paulo.

– Acho que não vou poder jogar mesmo, doutor Paulo, vou ser um peso morto pra seleção!

Veio o Dr. Hilton, examinou-me mais uma vez e falou, num tom de absoluta certeza:

– Se esse garoto for macho, ficará bem dentro de alguns dias e poderá jogar antes que o campeonato chegue ao seu final.

– Eu sou macho! respondi depressa.

Eles riram e, naquele mesmo dia, entrei num regime de tratamento que não era nada sopa. O Mário Américo e o Chico de Assis esquentavam água até ficar em ponto de pelar porco ou depenar galinha e, com uma toalha que parecia brasa, de tão quente, enrolavam-me o joelho. O Pepe e o Dida, que tinham se contundido na Itália, também começaram a passar pelo mesmo tratamento. Ficávamos com água nos olhos, mas não abrimos o bico para reclamar. O Pepe e o Zito também tinham ficado de fora e o mesmo aconteceu com o Garrincha e outros jogadores. Eu não era o único, sabia que eles tinham mais razão do que eu para se sentirem tristes. Afinal, não estavam contundidos!

No hotel, ouvia gente dizer:

– Chiii!… Esses ingleses se fecham na defesa e é dureza passar por eles! Outros eram mais otimistas:

– É só fazer um gol e eles abrem as pernas!

Entre os jogadores, muitos já conheciam os ingleses de outras jornadas. Sabiam, por isso mesmo, que a partida não seria moleza. Seu Feola, com aquele jeitão de homem que não se apavora nunca, ia preparando a turma. Parecia confiar serenamente, na capacidade dos seus pupilos. Quando chegou o dia do jogo, a expectativa dos jogadores era normal: nem otimismo em excesso e nem tremedeira. A seleção era senhora de si.

O Vavá, que também estava na reserva, entrou no time naquele dia. Saiu o Dida. Fomos para o estágio e, no caminho eu prometia a mim mesmo que ia fazer aquele joelho sarar à força.

Zero a zero com o time inglês. Resultado normal, minha gente!… Vamos em frente!

O empate foi recebido friamente, mesmo porque tínhamos sido melhores durante toda a partida. Todas as cabeças estavam nos seus devidos lugares. Era preciso pensar apenas no próximo adversário, que se chamava Rússia. Sem Feola, sem Nascimento e o Dr. Paulo, também não dava bola para os boatos e tratavam de não deixar que elementos estranhos à delegação viessem botar minhocas em nossas cabeças.

– O joelho já está bom, seu!… Você está é com complexo!

Que complexo coisa nenhuma! O joelho ainda doía, embora já não tivesse inflamado.

Antes do jogo, passei por meu exame psicotécnico. O professor Carvalhais era quem cuidava dessa parte. Diziam que era para preparar o nosso espírito, para nos dar autoconfiança e tudo mais.

Quando tomamos conhecimento da escalação do quadro que ia jogar, senti até um frio na barriga. Meu nome estava lá. Também o Zito estava escalado no lugar do Dino, que tinha se contundido na partida anterior. O Garrincha também ia entrar, no lugar de Joel. Olhei pro Mané: estava rindo, sossegado como sempre. Há quem diga que ele nem sabia contra quem é que a gente ia jogar naquele dia. Sabia apenas que ia jogar, e isso o fez feliz.

Quem vem agora?

Os suecos!

Esses não são de nada! diziam alguns elementos estranhos à delegação.

Entre nós, porém, não havia otimismo nem exagero. Também o Uruguai não era de nada em 1950, quando o Brasil perdeu o título no Maracanã.

Na esquerda, o Zagalo atacava e defendia. Parecia um motorzinho. Zagalo, jogando adiantado, agora, fez um gol, e quando estava recuado chegou a tirar a bola quase dentro da nossa meta, de cabeça, bancando o zagueiro! Campeões do mundo: os jornais relacionavam os presentes que receberíamos, em empresas públicas e tudo mais.

– Vocês estão milionários! comentavam todos, quando nos viam.

Noventa por cento dos tais prêmios ainda esperamos até hoje. Na euforia da vitória, prometeram tudo. Depois…

No quartel geralmente eu jogava na na quarta-feira e, já na quinta-feira estava jogando pelo Santos novamente.

Nem sei dizer quantas vezes joguei contundido, naquela fase da minha carreira.

As vezes me sentia saturado de bola, pois era demais jogar quase que diariamente, sem tempo para descansar. Sentia-me tão cansado que parecia até um veterano, já com vontade de abandonar o futebol.

Na rua, porém, sempre ouvia a mesma coisa:

– Precisamos ganhar hoje, heim Pelé!

Ou então:

– Quantos gols você vai fazer esta noite?

Torcedor não quer saber se a gente está machucado ou não. Quer que ganhemos os jogos, seja como for.

A diferença de altitude nos roubou metade do fôlego e, logo de início, fomos surpreendidos por dois gols dos mexicanos, que jogavam a todo vapor.

E é o que quero fazer. Não pretendo sair do Brasil, apesar de todas as grandes propostas que tenho recebido do exterior. Fico aborrecido quando ouço torcedores dizendo que jogo apenas pelo dinheiro. Não é verdade. Apenas, por dinheiro, eu jamais deixaria que me dessem injeções nas pernas ou nos ombros, apenas para poder participar de uma partida.

Isso já tem acontecido e às vezes sou eu mesmo que peço as injeções, pois não quero ficar fora da equipe. Sei contudo, que esta fase da minha vida é passageira. Hoje sou conhecido em todo mundo, agarram-me quando saio às ruas, não me dão folga por um instante sequer. De todos os jogadores do Santos, sou eu quem menos aproveita as excursões para passear. Às vezes prefiro ficar no hotel, lendo ou ouvindo música, a ter que enfrentar os amantes do futebol, no mais Pelé foi além: foi a oitava maravilha do mundo.

Dicionário do Futebol Brasileiro

Camarim– Vestiário.

Cancheiro – Jogador experiente.

Caneleira– Protetor para evitar pancadas na canela, feito de couro acolchoado.

Caneta – Perna.

Canhão – Chute muito violento.

Cantar o jogo – Orientar os jogadores durante o desenrolar de uma partida.

Capitão – Jogador escolhido pelo técnico ou pelos companheiros para, dentro de campo ou no decorrer do jogo, representar o time, perante o árbitro, sempre que este o solicitar.

Cara a cara – Frente a frente (um atacante e o goleiro).

Careca – Diz-se do campo ruim, onde falta grama.

Carniceiro – Jogador violento; açougueiro.

Carrapato – Jogador que marca o adversário muito de perto, sem se afastar dele um só instante.

Eduardo Pimentel

Técnico de Futebol

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