Atleta do futebol de 5, modalidade para deficientes visuais, começou na várzea, no interior do Ceará, onde aprendeu a chutar de primeira e com as duas pernas. Brasil vence China e chega à final dos Jogos Paraolímpicos.
No futebol de 5 a bola possui um guizo para orientar os atletas, deficientes visuais, por meio de ruídos. Um “luxo” para Raimundo Nonato Mendes, que disputa os Jogos Rio 2016 com a seleção brasileira. O atacante, que nasceu praticamente cego devido a uma retinose (degeneração da retina), tinha o mesmo desejo das outras crianças de Orocó, no interior do Ceará: ser jogador. Como não tinha o esporte adaptado em sua cidade natal, ele teve que se virar no campo de terra onde os amigos disputavam as “peladas de várzea”.”Eu tentava participar no meio das crianças que têm visão. Morava no interior e não tinha quadra de cimento. A gente jogava no terrão. Mas mesmo a bola convencional faz um pouquinho de barulho na terra, não como esse chão daqui (se referindo ao campo das Paralimpíadas), e por aí eu conseguia me orientar”, revela Raimundo.Dificuldades que fizeram o atacante da seleção brasileira de futebol de 5 desenvolver a audição, essencial para a prática da modalidade. O sentido ficou tão apurado que Raimundo consegue bater de primeira, sem dominar a bola, quando ela vem rasteira. Uma jogada que requer um elevado grau de precisão.“É o reflexo que a gente procura aperfeiçoar. Até mesmo pelo fato de eu ter desenvolvido a percepção de som, por causa da bola convencional na terra, com a de guizo fica mais fácil para ouvir o local certo onde ela está e tentar o chute”, descreve Raimundo, com uma naturalidade que parece tornar a jogada trivial.Ele também já tentou outras jogadas de efeito, mas que nas competições estão vetadas pelo técnico Fábio Vasconcelos. “Bicicleta eu tentei uma vez no treino, levantando a bola eu mesmo, mas foi por cima do gol. Se eu tentar aqui o treinador me mata”, brinca.Além disso, o atacante de 31 anos, que está em sua segunda Paralimpíada – conquistou o ouro em Londres 2012 –, também consegue chutar com as duas pernas, o que poucos futebolistas no mundo fazem. “Eu fui tentando. Pensei: ‘eu tenho que aprender a chutar com as duas’. Aí tive uma lesão de púbis, do lado direito, e comecei a chutar mais com a esquerda e fui desenvolvendo”, afirma.Nesta época, Raimundo tinha 23 anos e já havia deixado Orocó para jogar em um time de futebol de 5 que estava sendo formado em Petrolina, cidade vizinha. As habilidades desenvolvidas durante o tempo no “terrão” fizeram com que ele se destacasse rápido, sendo convocado para defender o Brasil pela primeira vez em 2011. “Foi fundamental ter participado sempre das atividades na minha cidade, me ajudou a perceber como é a dinâmica do futebol e a ter noção espacial no campo. Além da audição, pelo fato de ser uma bola sem guizo, ouvindo só o barulhinho dela na terra”.
Agora, Raimundo coloca à prova toda a sua categoria a serviço da seleção em busca do tetracampeonato Paralímpico. O Brasil é o único país a subir no lugar mais alto do pódio na modalidade.
Na final
O Brasil está a uma vitória do histórico tetracampeonato Paralímpico no futebol de 5. Com uma atuação decisiva do baiano Jefinho, que marcou dois gols, a seleção brasileira derrotou a China por 2 a 1 nesta quinta (15) no Centro Olímpico de Tênis e assegurou sua vaga na decisão do torneio dos Jogos Rio 2016. Brasil disputa ouro contra o Irã.
“A gente sabia que seria um jogo difícil. Mas Jefinho estava inspirado. E a defesa foi muito bem também”, elogiou o técnico Fábio Vasconcelos.
A disputa pelo quarto ouro seguido será no sábado (17), ás 17h, contra o Irã que venceu o Irá na segunda semifinal, nos pênaltis depois de 0a0. A Argentina disputa o bronze com os chineses no mesmo dia, às 14h. Ouro em Atenas 2004, Pequim 2008 e Londres 2012, o Brasil é o único campeão Paralímpico da história do esporte. Nas três campanhas, o time não sofreu sequer uma derrota.
Na semifinal, o Brasil saiu perdendo. Após cobrança de falta, Yafeng Wang chutou de perna esquerda para abrir o placar aos 14 do primeiro tempo. Aí começou a brilhar a estrela de Jefinho. Melhor jogador do mundo em 2010, o baiano fez bela jogada individual e chutou rasteiro para empatar aos 20.
Na segunda etapa, aos dez, com um chute potente de fora da área, Jefinho acertou o ângulo e definiu a vitória brasileira. No final, com Ricardinho de volta em campo, o Brasil voltou a ameaçar, mas não conseguiu ampliar a diferença.