MARCELINHO PARAÍBA: futebol, Jesus, covid e o sonho de ser treinador

MARCELINHO PARAÍBA

Marcelinho dos Santos, mais conhecido como Marcelinho Paraíba, encerrou no dia 15 de março sua carreira no campo mas já avisa que é apaixonado por futebol e continuará fazendo parte dele. Passou por times famosos como São Paulo e Grêmio.

Aliás, seu destino parecia já estar programado. O pai dele, Pedrinho Cangula, marcou o primeiro gol da história do Estádio Governador Ernani, Sátyro, “Estádio Amigão” na Paraíba, um dia antes de Marcelinho nascer.

A ideia é ficar nos bastidores agora, ajudando times a fazer o que ele fez por diversos clubes: marcar gols e conquistar títulos. Ele passou por diversos times, dos mais fortes e populares, aos da terceira divisão mas em todos tentou, como relata a seguir, deixar sua marca registrada.

Sua história pessoal teve altos e baixos, com histórias de farras, bebedeiras, entre outras. Marcelinho garante que isso ficou no passado e hoje é uma nova pessoa, que vive com toda intensidade e devoção sua fé e crença em Jesus Cristo.

Sua trajetória no Hertha BSC, um dos principais times de Berlim, a capital da Alemanha, é incomparável e inesquecível. Até hoje os fãs falam dele, até hoje se interessam por ele.

Foi por isso que aconteceu também esta entrevista, feita com exclusividade pela jornalista jundiaiense Sandra Mezzalira Gomes, que mora em Berlim desde 2000 e acompanhou a carreira dele por lá.

Marcelinho falou, durante quase meia hora, sobre sua carreira, planos para o futuro, entre outros vários assuntos que o leitor poderá conferir agora no texto a seguir, publicado pela primeira vez aqui em português e para o Brasil

Você voltou pro Perilima(foto principal) pra poder apoiar a equipe na parte técnica ….

Isso, já tinha este desejo no meu coração de, quando parar, seguir na carreira de técnico. Aí, conversando com o presidente Jailton Oliveira quando me fez o convite pra jogar, já tinha o acordo de quando parar pra trabalhar na comissão como auxiliar.

E agora, eventualmente, você assumiria até como técnico, é isso?

Fiz o último jogo no dia 15 de março como jogador de futebol e, no começo desta semana, já comecei a trabalhar na comissão técnica. Estou trabalhando já e pretendo assumir, se não o Perilima, um outro clube como treinador oficial.

Mas a ideia é ficar ai na Paraíba, perto da sua família, onde você começou sua carreira…

A principio sim, tenho contrato até o final do ano, começar aqui e depois vamos ver como continua.

Você passou por mais de dezenas de clubes durante toda sua carreira, foram centenas de gols, sabe quantos foram? 300?

Foram mais de 300, não tenho o número exato porque nunca me preocupei de marcar, mas acredito que chegue a quase 400 gols.

(Redes sociais)

Você foi pra França, Alemanha, Turquia. Foi ídolo no Grêmio, São Paulo, Hertha. Fazendo um balanço da sua carreira, qual o clube que você mais gostou, o que mais te marcou?

Todos os clubes onde passei, Flamengo, Coritiba, Sport, foram muitos, tive uma passagem marcante, foram muitos gols, conquistei títulos. Mas, aqui no Brasil, os clubes que mais me apeguei, que eu mais gostei, foram o São Paulo e o Grêmio, de Porto Alegre. Estes dois times eu carrego no coração. Tive a oportunidade ainda de jogar em três países diferentes, primeiro França, depois Alemanha, depois Turquia mas aí, na Europa, o país que eu mais gostei foi a Alemanha, onde me identifiquei. É como se fosse a minha segunda casa aí em Berlim. O clube, de forma geral, que mais destaco na minha carreira é o Hertha Berlim. Até pelo tempo que fiquei, foram cinco anos, fui o artilheiro da equipe.

(Redes sociais)

Foi onde você ficou mais tempo? E fez o clube ganhar o campeonato alemão duas vezes, foi um grande sucesso

Sim, e acredito que foi onde mais fiz gols. Foi um sucesso, o tempo que estava no Hertha estávamos sempre ali ‘brigando’ na parte de cima, entre os cinco primeiros lugares (da tabela). Estávamos sempre entre primeiro e quinto colocado, todos os anos que disputei. Com exceção de um ano só, que foi um ano que tive uma contusão, fiquei fora de alguns jogos e dai, a equipe lutou pra não ser rebaixada. Ainda consegui voltar no finalzinho da temporada e livrei o time do rebaixamento. Nos outros quatro anos, a gente sempre brigava na parte de cima, foram momentos muito especiais na minha carreira.

Você tem contato com o pessoal do Hertha, com o próprio Dieter Hoeness, com o pessoal aqui de Berlim?

Tenho tido pouco contato. Tenho desejo de voltar a ter contato com eles, principalmente com o pessoal do Hertha, de Wolfsburg, onde também tive uma passagem marcante. Hoje o presidente do Hertha é o Michael Preetz, né, meu companheiro de equipe durante cinco anos, por quem tenho o maior carinho e inclusive, ele já deixou bem claro que as portas estão abertas pra quando eu terminar meu curso que farei na CBF(Confederação Brasileira de Futebol) para treinador. Depois pretendo ir pra Alemanha fazer estágio. E, em Berlim, ele já deixou as portas abertas, eu agradeço e gostaria de aproveitar a oportunidade da entrevista pra dizer que tenho um carinho imenso pelo Hertha, pelos fãs do Hertha. Agradeço muito a oportunidade que ele está dando de abrir a porta pra eu fazer este estágio.

E você ainda consegue falar alemão, lembra bem da língua, tem saudades de alguma comida daqui?

(risos) Falo um pouco, entendo mais, entendo bastante, mas falar, falo pouco até porque depois que cheguei no Brasil tenho praticado pouquinho, mas ainda arranho (risos novamente). Ai na Alemanha gostava muito de comer o bratwurst, o currywurst. Gostava muito.

(Redes Sociais)

A última vez que você veio pra cá foi na festa de despedida do Hertha, em 2017?

Foi, a última vez que estive aí foi naquele dia sim.

Agora, se der tudo certo, você talvez consiga voltar este ano pra fazer o estágio?

Com certeza, este é o meu desejo, estou orando e pedindo a Deus que este problema que nós estamos enfrentando agora com este vírus possa acabar, cessar logo pra ficar tudo tranquilo pra que eu possa marcar minha viagem ai pra Berlim.

Com tantos anos de carreira, quase 30 anos, como está a saúde? Você faltou poucas vezes por ficar doente, tava quase sempre em campo, está tudo em forma? Joelho, ombro, tudo em cima? Vi uns vídeos atuais e você parece muito bem

Tudo em cima, graças a Deus, minha saúde está excelente, poderia continuar jogando aqui. Não tenho a mesma velocidade de quando eu jogava no Hertha, mas meu físico ainda é muito bom, meu corpo tem uma
estrutura muito forte, poderia jogar mais um tempo ainda. Resolvi parar agora não por saúde ou condicionamento físico e sim porque queria começar uma nova carreira como treinador.

Mas você teve um leve AVC em 2018, é isso? E se recuperou completamente da doença?

Foi uma isquemia cerebral, um começo de um AVC. Quinze dias depois do acontecido já voltei a jogar, os médicos queriam que eu ficasse 30 dias sem atividade física mas 15 dias depois, já estava jogando, e agradeço a Deus por isso.

E é verdade que, por causa desta história, você passou a se dedicar mais à religião? Lembro que você sempre teve sua fé, mas isso aumentou sua fé mais ainda? Acha que este tipo de acontecimento ajuda a dar uma guinada na nossa crença?

Com certeza, isso ajuda sim mas como você falou, eu sempre temi ao Senhor. Sempre acreditei num Deus todo poderoso, mas depois de algumas coisas que aconteceram comigo, e através da palavra de Deus, de estar meditando na palavra de Deus, lendo bastante a Bíblia, fui numas Igrejas aqui e o Espírito Santo tocou meu coração. Aceitei Jesus Cristo como Salvador da minha vida e as coisas mudaram, e posso garantir que foi pra melhor, hoje tenho paz, sossego, Deus está conduzindo meus passos agora e estou tentando andar no caminho do Senhor.

E como fica com o lado financeiro, o corona está deixando muita gente preocupada, você trocou o euro pelo real, já deve ter sido um impacto grande. Você sempre foi muito generoso, eu me lembro, eu mesma fui num aniversário seu, você sempre quis pagar as contas aqui em Berlim….O corona também parece estar chacoalhando a gente pra dar valor para o que realmente merece valor…. como está pra você neste aspecto, segurando bem a onda por ai?

Pois é, estou bem. Como você falou, devido a ter o coração muito generoso e ter gastado muito dinheiro com farra e com falsos amigos, que diziam que eram meus amigos mas na verdade estavam do meu lado por causa do que eu poderia oferecer materialmente, depois que gastei, se afastaram de mim. Hoje eu vejo que o verdadeiro amigo que temos é Jesus Cristo, que nunca nos abandona, está sempre do nosso lado. A gente não vê mas a gente sente, e Ele tem me sustentado até aqui.

Está tudo bem até agora, como lhe falei, tenho realmente paz, levando uma vida bastante tranquila na presença do Senhor e cuidando da minha família. Claro que temos amigos mas amigos verdadeiros, que querem nosso bem, que não estão do nosso lado pra estar em farra, gastar com bebedeira. Pelo contrário, estão do nosso lado pra nos ajudar, e torcer pelo nosso sucesso. E estou feliz demais, estou com uma vida nova, sou uma nova criatura, as coisas estão se abrindo pra mim, Deus está me abençoando e com o pouco que estou ganhando, estou sendo muito feliz.

Já pensou em investir em alguma outra coisa, abrir um currywurst (fast food alemão) ai no Brasil? (risos)

A princípio não, uma coisa de cada vez. O foco agora é engrenar, dar uma atenção especial pra esta nova função de treinador, já tenho muito conhecimento de campo, quase trinta anos de campo, experiência muito boa, mas agora estou focando nos estudos.

Estou fazendo estágio com treinadores que trabalharam comigo pra pegar experiência fora do campo, em como lidar com grupo. Quando você é jogador pensa de um jeito, treinador tudo muda, tudo é diferente. Então vou focar neste lado aí, creio que também vou ter muito sucesso, ainda mais agora, com Jesus do meu lado.

Seu pai também foi jogador e seu filho também joga, certo?

Meu filho jogou no jogo de despedida do Hertha, no finalzinho do jogo ele entrou também. Ele está jogando no profissional aqui, no Desportivo Brasil, time de São Paulo.

(Redes sociais)

E seu pai estava fazendo gol no dia que você nasceu, é isso?

Um dia antes, dia 16 de maio ele (Pedrinho Cangula) fez o primeiro gol da história do Amigão (em 1975, no Estádio Governador Ernani Sátyro). Ele é muito conhecido pelo que fez no futebol, ele é mais famoso do que eu aqui na Paraíba.

Sempre apoiou sua carreira, sempre quis que você fosse jogador?

Sempre apoiou, me incentivou e me orientou sempre bastante. Eu procurei seguir os passos dele de gostar de treinar, de se dedicar e querer ser um jogador diferenciado. Ele sempre me deu força e, graças a Deus, as coisas deram certo pra mim. Assim como vai dar certo pro meu filho também, de uma geração pra outra geração, assim nossa família vai ficando no futebol.

Em quantos filhos vocês são?

Somos em cinco, só eu de homem e no futebol (risos).

Você tem uma filha também, com quantos anos?

Tenho, uma filha com 23 anos, fala alemão bem, está aqui do meu lado, ela é meio tímida mas daqui a pouco vai trocar uma palavrinha com você em alemão (risos).

Tem contato com Gilberto, com o Daniel Teixeira? (Gilberto da Silva Melo jogou quatro anos no Hertha e vários anos também para a Seleção brasileira; Daniel jogou em vários times alemães e era ídolo do Union Berlin. Ambos estão morando novamente no Brasil)

Com o Gilberto eu falo de vez em quando.

Acha que a vida é melhor agora do que quando era muito assediado pelos fãs?

Tudo é vaidade, é bom ter sucesso mas não pode deixar tomar conta da sua vida, tomar conta da sua cabeça. Nunca deixei, graças a Deus. O problema que eu tive, quando estava no auge, ganhava muito dinheiro, quis gastar o dinheiro com coisas erradas, com farra, com mulherada, com bebidas, ajudei muita gente…. Disso ai (de ajudar muita gente) não me arrependo não, graças a Deus, Deus me abençoou e pude ajudar outras pessoas mas acredito que, se fosse hoje, com a cabeça que tenho, hoje ia continuar ajudando mas de outra forma, diferente, com mais responsabilidade.

Pois é, a gente cresce, faz parte do amadurecimento…. Mas a sua mulher esteve sempre do seu lado né, vocês estão juntos até hoje…. Estela, né, o nome dela?

Isso, Estela, sempre esteve do meu lado, uma mulher guerreira, que me ajudou bastante. Muitas no lugar dela poderiam ter me abandonado pelas coisas que eu fazia, mas ela sempre teve do meu lado, orando, e acreditando que um dia, Deus ia me mudar. E este dia chegou, hoje eu e minha casa serviremos o Senhor.

E sua mãe, seu o pessoal daí, tem orgulho, gostou de você voltar pra casa? Desde quando você voltou pra Paraíba?

Faz uns dois anos e meio, tá todo mundo feliz, estou perto da minha família e agora estou podendo ajudar, orientar, tenho experiência, sei que vivi tanto coisas boas como coisas ruins, estou agora do lado da minha família, orientando, cuidando e isso é muito bom.

E o cabelo, que cor está agora? Parou de pintar? (risos)

(risos) Tá preto, da cor natural, parei de pintar sim. Até ano passado ainda tava pintando mas quando me converti, me transformei num cristão e parei de pintar. Acho que não dá mais certo, quando aceitamos Jesus somos uma nova criatura, tudo se faz novo.

Por que você começou a pintar?

Foi por causa de uma aposta com um amigo, disse que se ganhasse um jogo pintava de loiro. Ganhei, pintei e gostei. Ai fui pintando, quando cheguei na Alemanha, o pessoal gostou, continuei pintando de outras cores, virou minha marca registrada, pintar o cabelo fazer coisas diferentes…

E lembra de todas as cores? Lembro de vermelho….

Azul….vixe, várias cores.

O apelido de ‘Paraíba’ também veio de um gol e de uma camiseta 100% Paraíba, é verdade?

Sim, é verdade, naquela época falava muito pouco do meu Estado, Paraíba, Estado do nordeste brasileiro. Em São Paulo, no Rio de janeiro, tinha muito preconceito, nordestino era discriminado. Aí coloquei a camiseta 100% Paraíba pra mostrar que tinha orgulho do meu Estado e virei o Marcelinho Paraíba.

Você se lembra qual jogo foi?

São Paulo e Ponte Preta, campeonato brasileiro de 99.

Então agora 20 anos de Marcelinho Paraíba…

Sim e depois desta vez apareceram vários jogadores colocando o ‘sobrenome’ de Paraíba também.

Agora, com o Corona, hoje você está na casa da sua mãe mas já preparado pras restrições?

Agora estão começando os alertas pra evitar sair, não ficar perto de multidões, estamos orando muito pra que esta praga possa passar logo e que não venha trazer danos pra muitas pessoas. Momento difícil que estamos passando, só Deus pra ter misericórdia.

Por que não quis parar de jogar antes e seguiu carreira até tão tarde?

Primeiro porque eu amo futebol, não queria largar o campo, sou apaixonado. Estava bem fisicamente, me sentia bem. Mas agora tem um projeto que pode dar muito certo pra começar a carreira de treinador e não ficar só aqui, ir pra outros clubes grandes e quem sabe, voltar a trabalhar na Europa como treinador.

Uau, bem legal. E quando você falou com o Hoeness pela última vez?

Foi na despedida do Hertha.

Mais alguma coisa pra falar pros fãs de Berlim?

Quero dizer que tenho saudade de todos, foi o clube que mais amo, que mais me identifiquei em toda minha carreira.

Já pensou, treinar o Hertha um dia?

Quem sabe, se me abrirem as portas e derem oportunidade não vão se arrepender. Posso fazer sucesso como fiz quando era jogador.

Tem acompanhado os times?

Acompanho sim, os resultados dos jogos do Hertha, sinto bastante quando perde e me alegro muito quando ganha. Estou na torcida, especial para que o Mateus Cunha faça muito sucesso aí no Hertha Berlim, chegou agora a pouco mas acredito que vai dar muitas alegrias ainda à torcida.

Matéria do Jundiaíagora.com.br