O futebol da Paraíba vive, muito provavelmente, seu momento de crise mais aguda: clubes endividados, má safra de jogadores feitos na base e uma confederação que tem uma atuação bastante questionada pela presença quase eterna da presidente Rosilene Gomes, há mais de vinte anos no comando da FPF.
Se hoje o nosso futebol beira o caos, houve um tempo em que a magia e o glamour sintetizavam o que tínhamos de melhor, dando ao torcedor um cenário envolvente de paixão, fanatismo e grandes ídolos.
Em um período que ficou marcado como a época romântica do nosso futebol, no final da década de 30 e inicio dos anos 40, um jovem de apenas 16 anos despontava no cenário futebolístico paraibano. E impressionava a todos pela incrível potência de seu chute.
Logo chamou a atenção de todos, inclusive da imprensa, que no dia de sua estréia – ainda pela equipe juvenil do Auto Esporte, no ano de 193 – lhe deu o apelido de Pé de Aço.
Como o garoto ainda era menor de idade, os cartolas do Auto fizeram uma manobra junto a então LDP, Liga Desportiva Paraibana, para adulterar sua data de nascimento e poder assim contar com o jovem na equipe profissional no campeonato de 39. Com uma canetada, Pé de Aço envelheceu dois anos – passando dos 16 para os 18 anos de idade.
E a manobra deu resultado: Pé de Aço, que já havia sido campeão pelo juvenil, ajudou o “Clube do Povo” a conquistar de forma invicta, sendo que agora pelos profissionais, o Campeonato Estadual daquele ano.
Além do Auto Esporte, Pé de Aço jogou em outros grandes times da capital da época como o já extinto Delaporte (onde sagrou-se vice-campeão no ano de 1944), Palmeiras Sport Club e também na Seleção Paraibana. Em sua trajetória, protagonizou um capítulo a parte na história do nosso futebol.
Apesar de sua rápida acessão e de seu talento despertar o interesse de clubes de todo o estado, nem todas as portas estavam abertas para Pé de Aço. Se hoje o futebol é um esporte para todas as classes, naquele tempo o simples fato dele morar em um bairro da periferia, a ilha do bispo, times como o Botafogo e Cabo Branco jamais o quiseram em seus plantéis.
– O botafogo e o Cabo Branco não gostavam de mim, além de marcar muitos gols jogando contra eles, não podiam me contratar para não desagradar aos seus torcedores da elite da cidade, diz Pé de Aço um pouco amargurado pelo fato.
Lembro-me de quando o conheci: Pé de Aço já havia se aposentado dos gramados há muito tempo e eu ainda era um garotinho no inicio dos anos 90. Morávamos no mesmo bairro, o Ernani Satyro, lugar onde ele mora até hoje, e mantínhamos uma relação praticamente de avô e neto, tamanha era a consideração demonstrada por ele para comigo.
Ficava completamente extasiado com aquelas incríveis histórias que me contava, todas comprovadas por recortes de jornais da época.
Uma das mais impressionantes se referia ao episódio em que, jogando pelo Auto Esporte, Pé de Aço fez os dois gols da vitória do alvi-rubro contra o Delaporte no estádio da Graça. Detalhe: ele próprio foi até Recife comprar a bola do jogo a pedido do presidente do Auto.
– Jogar bonito eu não jogava não meu nego, mas chutar era comigo mesmo, diz sempre Pé de Aço, repetindo várias vezes esta frase para pontuar as histórias que me contava.
Pé de Aço levava medo aos adversários, que tremiam ao ficar na mira de seu chute. Certa vez, um zagueiro de um time rival conhecido por Violão – tentando evitar o que seria um gol -ousou colocar a cabeça na trajetória da bola. O chute foi tão forte que o jogador caiu desacordado por mais de dez minutos, e assustadoramente sangrava pelos ouvidos. Até hoje ele vive para contar a história.
Nesse tempo ainda não havia televisão, mas os jornais e as rádios da época não se cansavam de noticiar as façanhas de seus chutes poderosos, levando a curiosidades de muita gente que quando o encontrava queriam olhar para o seu pé para saber se era mesmo de aço.
Ele também sempre dizia que naquele tempo o futebol era muito mais violento.
– Coisa pra cabra macho, muito contato físico, diz.
E a bola? Feita toda artesanalmente em couro era muito mais pesada do que as atuais. E quando chovia seu peso praticamente duplicava.
É claro que na sua época não tinha como aferir a velocidade da bola saída de seus pés. Mas testemunhas oculares garantem que seu chute podia ultrapassar qualquer marca alcançada pelos jogadores de hoje.
Muitas histórias e ídolos como Pé de Aço correm o risco de ficar pra sempre no esquecimento. Mas alguns paraibanos ainda se preocupam em resgatar parte desse passado. Um deles é o governador Ricardo Coutinho, que fez questão de leva-lo como convidado de honra para a reabertura do novo estádio da Graça, principal palco onde ele desfilava seu futebol.
Mesmo que muitos não lembrem e talvez os mais novos nunca ouviram falar, Pé de Aço, hoje com 90 anos, é personagem vivo de parte da história futebolística da Paraíba.
No seu tempo não jogava-se por dinheiro, o amor era muito mais importante
Por Max Oliveira