Velocista vive ano de grandes marcas. Depois do recorde mundial, em abril, atleta de 18 anos conquistou dois ouros nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto, em julho
Petrucio Ferreira dos Santos ainda sonhava em ser jogador de futebol quando disputou a etapa nacional dos Jogos Paraescolares de 2013, em São Paulo (SP). “Eu nunca tinha treinado atletismo, só via pela televisão”, lembra. Aos 16 anos, usando tênis comuns, o garoto criado em São José do Brejo da Cruz, no semiárido paraibano, conquistava o ouro nos 100 m com o tempo de 11s40, atraindo a atenção dos treinadores da seleção brasileira. Com a pressa natural dos velocistas, Petrucio precisaria de apenas mais um ano e quatro meses para passar de atleta iniciante a recordista mundial dos 200 m, classe T47 (amputados de membro superior), com o tempo de 21s49.
As conquistas de Petrucio seguem o ritmo acelerado de suas passadas. Depois do recorde mundial, registrado no Open Brasil CAIXA Loterias, em abril, o atleta de 18 anos conquistou dois ouros nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto, em julho. Com os tempos de 21s51, nos 200 m, e 10s77, nos 100 m, Petrucio ainda quebrou os recordes da competição e ficou a apenas cinco centésimos do recorde mundial nos 100 m, que ele voltará a perseguir este mês. Entre os dias 21 e 31 de outubro, o velocista e outros 38 atletas e 14 atletas-guia brasileiros vão representar o país no Mundial Paralímpico de Atletismo, em Doha, no Qatar.
“Meu objetivo é focar pra esse Mundial, trabalhar pra esse Mundial”, afirma Petrucio. O atleta ainda se recupera da lesão sofrida no Desafio Final de Atletismo, disputado no Rio de Janeiro (RJ), em setembro, quando rompeu o músculo posterior da coxa. “Faltando 20 metros pra terminar a prova, a minha posterior rompeu. Na hora eu não parava de chorar, achava que ia ficar fora deste Mundial. Mas assim que eu liguei pro meu fisioterapeuta ele me tranquilizou”, conta. “Antes do Parapan, eu também me lesionei, e tive dúvidas se iria participar ou não. E com duas semanas de treino eu consegui melhorar a minha marca nos 100 m e quase igualei a minha marca nos 200 m.”
Mudança para João Pessoa
Petrucio teve o braço amputado quando tinha apenas dois anos. Depois de desligar a máquina de triturar cana, o pai não percebeu a aproximação do filho em direção às engrenagens ainda em movimento. A falta do braço esquerdo, no entanto, não o tornou diferente dos outros meninos com quem convivia. Da mesma forma que eles, Petrucio ajudava os pais na lida do campo, ia à escola e jogava futebol. “Eu sempre ajudava meu pai na agricultura, a cuidar das vacas. E como era sertão, quando pegava época de bom inverno, a gente plantava milho, feijão”, conta o atleta nascido em Caicó (RN) e criado em São José do Brejo da Cruz, para onde se mudou aos três anos.
Depois de descoberto nos Jogos Paraescolares de 2013, Petrucio passou a integrar a seleção brasileira de paratletismo de jovens e foi convidado a se mudar para a capital paraibana. “Meus pais não queriam deixar eu vir morar em João Pessoa, eles não acreditavam, mas eu insisti”, lembra. Na capital, sob a orientação do técnico Pedro de Almeida Pereira, o Pedrinho, Petrucio começou a entender melhor o esporte. “Passei a treinar sério, a ter noção do que era o atletismo. Antes de eu vir treinar aqui, achava que corrida era só saber correr, nascer com aquele dom, mas existe todo um trabalho por trás, que eu nunca tinha imaginado.”
“Vamos valorizar as marcas dele”
Petrucio conheceu o técnico Pedrinho na véspera de sua viagem para os Jogos Paraescolares de 2013. “Ele me deu algumas dicas antes de viajar e até me emprestou uma sapatilha, mas eu não usei porque fiquei com medo de tropeçar e cair”, brinca o velocista. Além de ser responsável pela preparação técnica e física de Petrucio, Pedrinho também é responsável por controlar as expectativas. “Pra não ir com muita sede ao pote”, explica o técnico. “O menino já é o melhor do mundo nos 200 m. Vamos devagar que ele ainda vai fazer 19 anos. Ele é um cristal pra mim, é uma pérola, e eu tenho que ter muito cuidado e muito zelo com ele.”
Pedrinho planeja para Petrucio uma carreira como a de Sergei Bubka, ucraniano 35 vezes recordista mundial do salto com vara. “Vamos valorizar as marcas dele. O Sergei Bubka batia recorde mundial de centímetro em centímetro. Nossa estratégia não é diferente. É mais delicada, porque é centésimo, e em centésimo é difícil de você dosar a velocidade numa corrida”, pondera. “Mas tem que ser muito bem trabalhado para que se possa potencializar o atleta de forma gradativa. Evitar cometer exageros, não entrar numa ganância louca, porque ele já é o melhor do mundo.”
“Ele provavelmente será um dos grandes nomes dos Jogos do Rio”
Coordenador técnico da seleção brasileira de paratletismo, Ciro Winckler se lembra bem da performance de Petrucio nos Jogos Paraescolares de 2013. “O que me chamou a atenção não foi simplesmente a marca dele. Foi ele ter feito aquela marca usando tênis [velocistas usam sapatilhas especiais]”, explica. “O Petrucio tem tido uma evolução muito rápida. Ele já saiu da seleção de jovens, ingressou na seleção adulta, quebrou recordes brasileiros, tem feito marcas expressivas e ainda tem muito a crescer. Ele provavelmente será um dos grandes nomes dos Jogos do Rio”, aposta.
Winckler não acredita que a lesão sofrida por Petrucio em setembro será um problema no Mundial Paralímpico de Atletismo de Doha. “A gente tem acompanhado a evolução dele. Ele já está voltando a fazer atividade física com uma certa intensidade, está chegando muito próximo do ideal, dos 100% para o Mundial”, avalia. “Esperamos que ele faça bons resultados. O Petrucio é muito competitivo, e isso é uma coisa boa para que ele consiga recuperar os seus resultados.”