O candidato a craque precisa receber a melhor instrução possível para capacitar-se a fazer a autocrítica. É de suma importância que, depois de suas intervenções e de todos os seus lances, quer tenha tido êxito, quer tenha cometido erro, saiba analisá-los com a devida profundidade, para verificar os porquês dos resultados alcançados.
Todo indivíduo tem possibilidade de adquirir a faculdade de se analisar, bastando interessar-se pelos benefícios que assim poderá colher.
Como ponto de partida é necessário ao futuro craque aprender a reconhecer seus erros e, acima de tudo, a admitir a conveniência de não cometê-los, ou seja, de aperfeiçoar mais a qualidade do seu jogo.
O desejo de jogar sempre certo tem de ser a constante, a norteá-lo dia e noite, em todas as suas ocupações com a bola.
As advertências e as recomendações quanto aos lances relacionados a seguir, dentre inúmeros outros, tem a finalidade de levá-lo a executar todos com a categoria de verdadeiro artista, custe o que custar.
1) O tiro-de-canto de maneira nenhuma pode ser extraviado pela linha de fundo;
2) O tiro-de-meta tem de atingir, com precisão, um companheiro bem colocado;
3) O chute da penalidade máxima deve colocar a bola em um dos cantos do arco, consignando o gol;
4) O chute frente à barreira não deve atingir os integrantes dela, nem mandar a bola por cima ou pelos lados dos paus, mas tem de ser endereçado ao setor indefensável da meta;
5) Os lançamentos, os cruzamentos e os passes precisam ser certeiros e bem dosados de força;
6) As cabeçadas têm de ser executadas com a testa, de olhos abertos, inclusive com saltos magistrais ou “de peixinho”;
7) O combate ao adversário tem de ser decidido em vez do zangar na sua;
8) O arremesso pelos laterais deve ser feito correta e proveitosamente;
9) O drible tem de ser eficiente, com o auxílio do jogo de corpo;
10) A corrida com a bola precisa ser efetuada sem tropeçar nela e sem presenteá-la ao antagonista por excesso de adiantamento;
11) O chute ao gol deve ser rasteiro, precisamente aos cantos, com um ou mais ricochetes.
O arqueiro não pode errar os arremessos, nem enviar estorvadamente a bola com balões mal dirigidos para o centro do gramado ou, o que é pior, desperdiçá-la para fora das outras linhas. Ele tem de dirigi-la certeiramente a um companheiro colocado, sem prejuízo para a continuação do treino ou do prélio, após cada lance que efetuou ou de que participou, o jogador deve examinar sua atuação, perguntando-se: por que não acertei esse passe? Por que o chute saiu torto? Por que não dominei a bola? Olhei para a bola ou não olhei? Por que não consegui driblar o adversário? Estava eu em má colocação ou foi meu companheiro que me passou mal a bola? Por que acertei tão bem o chute? Qual foi a causa desse mau êxito na cabeçada?
Essas e inúmeras outras perguntas precisam receber respostas satisfatórias ou, então, a autocrítica não terá sentido.
De modo semelhante o atleta deve proceder nas horas de lazer e antes de dormir, fazendo desfilar à frente dos olhos, seus erros como também seus acertos nas jogadas do dia.
Ele nunca deve atribuir as causas dos seus insucessos aos companheiros, acusando-os de não jogarem bem, aos adversários, conferindo-lhes mais sorte; ao gramado, queixando-se dos cocuncitos e de outras irregularidades; e até a bola, culpando-a de ser redonda; mas, encontrá-las em si mesmo. Ao verificar os pontos fracos e as insuficiências do seu jogo, ele assentará as condições fundamentais para se corrigir.
Na situação privilegiada de moço normal, dotado de talento, quiçá de genialidade, de boa saúde, com material esportivo à disposição durante as horas do dia, dispondo de professores competentes para instruções de qualidade, recebendo ordenado ou ajuda de custo, alimentando-se corretamente, o futebolista tem tudo a seu favor para vencer.
Mas, se desprezar a autocrítica, está fadado a permanecer apenas na mediocridade.
Há uma ocasião na carreira do jogador em que ele precisa fazer a autocrítica, com o máximo rigor: é a de sua substituição na equipe. Verificando que a causa do descenso foi a carência de habilidades, sua reabilitação será fácil: mais esforço e mais capricho em mais treinamentos individuais e em pequenos grupos, combinados com os demais treinamentos.
No caso de outros terem sido as causas, de nada servirão rancores e represálias. O que o atleta rebaixado realmente tem de fazer, para reconquistar a posição, é agigantar o empenho e sublimar o esmero nos trabalhos do aperfeiçoamento da sua técnica.
O esclarecimento para as surpresas desagradáveis de empates inconvenientes e de derrotas desastrosas, especialmente frente a antagonistas de menores categorias, não está contigo nas expressões: “os adversários tiveram mais sorte”, “futebol não tem lógica”, ou “o futebol é assim mesmo” e em muitos outros. A elucidação deve ser dada pelos integrantes da equipe mal sucedida, fazenda a autocrítica consciente e interessadamente, como, por exemplo: “Quando se subestima o quadro contrário, a gente não se emprega a fundo nos treinos e nos exercícios de física, antes do embate programado, e até nele mesmo. Também a direção técnica parece deixar de ser muito exigente. Por essas razões, cai verticalmente a qualidade do jogo e a capacidade de produção, verificando-se incerteza no domínio da bola, passes errados, cabeçadas a esmo, insuficiência de apoio recíproco e de deslocamentos, antecipações inseguras, chutes com má direção, dribles ineficientes e outras deficiências, de modo que ninguém mais consegue o entendimento com os companheiros”.
Bailarinos, músicos, trapezistas, patinadores e tantos outros artistas notam quando diminui a qualidade das suas exibições. Por meio da autocrítica verificam as causas desse decréscimo – geralmente insuficiência de treinamento ou interferência de fatores psicológicos – e superam, no devido tempo, as deficiências notadas, com mais dedicação à prática de adequados exercícios.
Ora, os futebolistas, controlando também, pela autocrítica, seu nível de jogo, não só irão reduzir seus erros ao mínimo, como irão melhorar muito sua classe, se realizarem mais e melhores treinamentos.
Atualmente, com as possibilidades que oferece a técnica cinematográfica e a de televisão, os clubes ricos poderão manter um setor especializado para filmar ou gravar em “vídeos” os embates dos seus atletas e de outras agremiações, bem como os treinos coletivos.
Menos dispendioso e de mais fácil manejo, também acessível aos clubes de menos afortunados, há de ser o emprego de um ou mais aparelhos de gravação, para apanhar a descrição dos prelos e a apreciação dos comentaristas.
Pela devida utilização desses preciosos recursos, sob a correta orientação da direção técnica, os jogadores terão possibilidade de desenvolver sua capacidade de autocrítica e consequentemente, de melhorar seu jogo.
O candidato a craque que aproveitar inteligentemente os ensinamentos contidos neste capítulo, abre cancha para seu pleno sucesso na carreira. A conscienciosa autocrítica das suas jogadas, levando-o à obstinada realização de apropositados treinamentos, lhe assegurará o alcance da máxima habilidade técnica no trato com a bola.
Dicionário do Futebol Brasileiro
Chargear – (do Inglês To charge), deslocar o adversário, na corrida, com uma pancada de ombro contra as costas.
Charles – Chute dado com uma perna passando por trás da outra (origina-se do nome do introdutor dessa jogada no Brasil, o paulista Charles Miller, filho de imigrantes ingleses).
Chega-prá-la – Forma de deslocar sem muita força o adversário, quase sempre com o ombro ou com o tronco.
Chegar junto – Expressão que designa a marcação que procura impedir o adversário de dominar a bola.
Chicotada – Tipo de jogada na qual o jogador, estando de lado para o ponto que visa, chuta no ar uma bola à altura do peito.
Chilena (RS) – Toque de bola com o calcanhar.
Chocho– Sem força: chute chocho.
Choque-Rei – Expressão que designa os jogos entre o Palmeiras e o São Paulo.
Chorão – Jogador que reclama muito do árbitro, dos companheiros, dos adversários.
Chupa-Sangue – Jogador que se beneficia do esforço dos companheiros.
Chutão – Chute sem direção.
Chutar – Dá chute.
Chute – (do inglês Shoot) – pontapé na bola.
Chute de bico – Chute dado com a ponta da chuteira e que, por isso, não assegura direção à bola.
Chute de canela – Chute sem direção, que não precisa ser necessariamente dado com a canela.
Chute de letra – Chute que é dado cruzando-se o pé por trás do que vai a frente com a bola.
Eduardo Pimentel
Técnico de Futebol
