FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA - MATERIAL MAL APROVEITADO III - SóEsporte
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FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA – MATERIAL MAL APROVEITADO III

O garoto brasileiro chega ao clube de primeira divisão e já faz tudo com a bola. O que está e o que não está no livro inglês. Seu primeiro contato com o treinador é diferente: – Tirando goleiro, brinco nas dez posições. No time da minha rua eu sou meia-armador.

O trabalho do treinador no Brasil é de selecionar, não o de ensinar o primeiro chute. O garoto brasileiro, quando aparece num grande clube profissional, é capaz de dar uma volta no campo sem deixar a bola cair. Não sabe patavina da regra do jogo. Sabe, apenas, que com a mão só o goleiro. O resto, por intuição e por uma astúcia e inteligência que foram desenvolvidos na luta muito dura pela vida, como é o caso da grande maioria dos que vêm ao clube profissional, ou no caso em menor escala a cada dia mais insignificante dos garotos mais favorecidos, que são estudantes, mas que aprenderam no contato diário com o garoto da rua. Os do segundo caso, os estudantes, geralmente não vão muito longe.

Nosso profissionalismo ainda não é tão suficiente para o jogador estudante abandonar o futebol para dedicar-se à sua nova profissão.

Nenem Prancha, filósofo do futebol das peladas, sentencia com justeza: “jogador para ser bom precisa ir na bola como se fosse um prato de comida”.

Prancha tem razão. Chopim só conseguiu ser grande quando abandonou a aldeia e foi para a cidade se dedicar totalmente à sua música, à sua arte e dar tudo de seu talento.

Futebol é arte e em arte o que prevalece é o talento. O talento pode ser aprimorado pelo treinador, jamais será conseguido no livro. No livro está a experiência esquematizada ou a teoria a ser desenvolvida. A aplicação, em arte, só o talento fará.

Claro que seria completamente (falso) pensar que um baixo nível de vida é indispensável para conseguirem-se bons praticantes do futebol. Não. As condições principais que nós temos e outros não nos dão grande vantagem e são imutáveis: paixão popular pelo futebol, clima e condições etnológicas. Evidentemente, e salta aos olhos, que tudo isto reunido a um melhor nível de vida (saúde e cultura) nos elevaria mais alto ainda.

Não somos campeões do mundo simplesmente pela conquista das duas copas. Este é um fato esporádico numa competição em que a chance, às vezes, pode decidir. A Copa do Mundo é disputada em caráter eliminatório e em curto prazo. Não é um campeonato valendo pontos em que cada um joga contra todos e no final a soma dos pontos prevalece.

Uma simples derrota, num mau dia, num dia excepcional, pode sobrevir, e a copa está perdida. Somos campeões do mundo em futebol de fato e de direito. É fácil provar esta tese: não existe nenhum país do mundo que possa formar tantas equipes como nós. O Brasil em futebol compete com qualquer país e ganha com grande e esmagadora vantagem. Se tomarmos vinte e fizermos uma competição com vinte outros de qualquer país, ganharemos no mínimo umas quatorze ou quinze partidas e, talvez, perdêssemos as cinco ou seis restantes. Não há país algum que possa formar vinte equipes do valor dos nossos.

Formam, às vezes, uma boa seleção. Mas bons times em grande quantidade não existem em lugar algum como no Brasil. Não afirmo isto por orgulho patriótico, o que seria pueril e sem valor. Conheço e estive de corpo presente assistindo a futebol em quarenta e cinco países de norte a sul e de leste a oeste do globo. As competições dos nossos clubes também apresentam esta proporção. Eles não reúnem aquelas condições que a natureza nos permitiu reunir.

Mas, treinamento, que é bom mesmo, aqui no Brasil não se faz. Uma organização velha, arcaica, impede que o futebol avance. A característica dos clubes forma os dirigentes. O futebol promove. Dá nome. E eles brigam por um lugar ao sol. Quando um dirigente de futebol começa a aprender um bocadinho, quando começa a perceber certas leis gerais que regem este ramo da arte, é derrubado por outro, que eufórico, desanda a dar entrevistas e agir, assim como o sujeito que ganhou a loteria do Natal e fala como se fora um tradicional herdeiro da riquíssima família Rothschild. E começa tudo de novo até que o basbaque aprenda o que outros já estavam começando a aprender.

Tudo isto é explicável e compreensível. Afinal de contas, alguém tem de dirigir um clube. Acontece o mesmo até na direção de países. Mas a ciência e a técnica já atingiram um nível bastante elevado para que uma equipe de técnicos e estudiosos permanentes de cada ramo de atividade pudesse ter sido formado e se tornasse indispensável para gerir empresas, clubes, administrar, enfim, os mais diferentes tipos de atividades.

Bibliografia

Os Subterrâneos do Futebol Brasileiro. João Saldanha.

Eduardo Pimentel

Técnico de Futebol

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