FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA - PROBLEMAS DE FUTEBOLISTAS NO MUNDO TODO III - SóEsporte
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FUTEBOL: ARTE E CIÊNCIA – PROBLEMAS DE FUTEBOLISTAS NO MUNDO TODO III

Embora reserva, de vez em quando eu entrava no time de cima, principalmente em amistosos. Lembro-me de uma vez em que o Santos jogou contra o Guaratinguetá e nós perdemos de 2×0 com um ataque formado por Peixinho, eu, Coutinho, Pelé e Pepe.

Depois que colocou vantagem no marcado o Guará começou a fazer cera, para impedir a virada do Santos. Um zagueiro deles, o Frazão, caía no chão a toda hora, sem que o juiz o Armando Marques, punisse aquela cera descarada deles. Houve uma hora em que o Frazão fingiu que estava contundido, ficou um tempão prostrado dentro da área, amarrando o jogo. Eu fui lá, puxei-o pelo braço:

– Levanta, seu…!

Armando Marques, todo espevitado, correu na minha direção, de dedo em riste. Ele tem mania de chamar o jogador de “senhor” e pelo nome completo. Ao advertir Pelé, por exemplo, não diz Pelé, como o mundo inteiro, mas “Senhor Edson Arantes do Nascimento”. Quando ele começou a falar “Senhor Almir…”, fui logo engrossando:

– Você não vê a cera que os caras estão fazendo? Tu é um… mesmo!

Ele ficou indignado, deixou de lado o “senhor”:

– O quê? Eu sou mais homem que você, ouviu?

Alguns anos mais tarde, depois que deixei o futebol, cruzei com Armando na sauna Primus, a mais sofisticada do Rio, ali na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Foi como se nada já não se lembrava do incidente do jogo contra o Guaratinguetá. Todo sorridente, me cumprimentou com a maior naturalidade:

– Como vai, Senhor Almir?

Gente como Armando Marques não sabe como infernizar a vida do jogador de futebol, com as injustiças que comete com a maior impunidade. É por se sentir injustiçado que um jogador como Carlos Alberto, campeão da Seleção Brasileira Tricampeã do Mundo, disse durante o Campeonato Nacional de 1972, que em seu jogo de despedida vai arrebentar o juiz. O Carlinhos falou isso com sangue quente, não está pensando em agredir ninguém, mas desabafou um sentimento que é generalizado entre os jogadores. Meu sonho, por exemplo, era na despedida pegar no fundilho do Armando Marques e expulsá-lo do campo, mas não tive essa oportunidade.

Foi porque Pelé se machucou que eu entrei naquela decisão entre o Santos e o Milan pelo mundial de clubes, no Maracanã.

Aquele jogo teve muita influência na minha vida, por uma série de razões. A catimba toda que fiz acabou por reavivar o “caso Helio”, que eu pensava sepultado para sempre. Tinham-se passado alguns anos, eu andei uma boa temporada no exterior, era possível que o acidente estivesse esquecido. Depois da decisão, descobri que não. Mais ainda: aquelas partidas devem ter contribuído para que o Flamengo, mais de um ano depois, resolvesse me contratar. Com isso, eu retornaria ao Rio, cidade de onde não quero sair nunca mais. O Rio tem visgo, prende as pessoas. Mas naquela semana eu só pensava nas duas partidas decisivas, contra o Milan, não estava preocupado com o dia de amanhã. Eu estava treinando normalmente, mas muito desligado do drama que o Santos vivia. Pele joga, Pelé não joga, entra Almir, não entra Almir. Eu sempre tive respeito por Pelé, mas reagir com frieza quando me disseram que o negão não ia jogar e que eu teria de substituí-lo. “Sou eu mesmo. Não tem problema”, pensei.

Com o correr dos dias, percebi a responsabilidade que jogaram sobre os meus ombros. Substituir Pelé é uma parada: os dirigentes, os companheiros de time, os repórteres, todo o mundo passa a olhar o cara de forma diferente, no íntimo duvidando que alguém com a missão de substituir o negão possa ter êxito. Naqueles dias fiquei pensando no drama vivido por Amarildo – aquele mesmo Amarildo que chegaria como uma das grandes estrelas do Milan – ao substituir Pelé na Copa do Mundo de 1962. Senti que todos me olhavam com desconfiança, mas fiquei na minha.

“Sou eu mesmo. Não tem problema”.

Hoje, repensando tudo aquilo, vejo que não foi apenas à bolinha que Alfredinho me deu a causa da minha participação decisiva na conquista do título pelo Santos. Mais importante ainda foi a vaia que recebi no Maracanã, quando o alto falante anunciou que a camisa 10 estava com Almir e não com Pelé. Foram importantes também as agressões que sofri dos italianos durante o jogo. Maldini, Trappatoni e outros caras do Milan me xingavam de tudo, sabiam que eu entendia italiano, porque tinha vivido na terra deles:

– Cornuto!

– Por vane!

Como respondi a isso todos sabem, ou porque viram ou porque eu mesmo contei. Relembrei o episódio apenas para mostrar como a minha volta ao Rio, quase dez anos depois de meu começo no Vasco, estava marcada pelos incidentes dos dois jogos Santos x Milan e pelo “caso Helio”. Tive uma prova disso ao ser recebido pelo então diretor de futebol do Flamengo, Flavio Soares de Moura, que tinha decidido comprar meu passe ao Santos, enfrentando resistência de outros integrantes da diretoria do clube. Seu Flavio, que se tornaria meu amigo de fé, para as horas boas e ruins, foi me dizendo com franqueza: Olha Almir, comprei o seu passe e o seu barulho. Sei que você é um jogador marcado, mas topo esse desafio. Confio em você. Alguma coisa me diz que você vai dar muitas alegrias a torcida do Flamengo.

Bibliografia:

Eu e o Futebol. Almir Albuquerque, o pernambuquinho.

Eduardo Pimentel

Técnico de Futebol

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