OS SOLDADOS DA DEMOCRACIA
As forças militares brasileiras ao longo da história republicana passaram a carregar o estigma de “golpistas”, como se fosse de sua exclusiva responsabilidade as rupturas democráticas que vivenciamos. O Brasil e a América Latina experimentaram diversos momentos em que suas Forças Armadas serviram a golpes e ditaduras Esquecemos que, muitas das vezes, houve importante participação dos civis. No entanto, as Forças Armadas ficaram marcadas pelo histórico repressivo e autoritário com que atuaram sempre que tomaram o poder. O mesmo erro ocorre quando se tenta classificar, de forma generalizada, os militares, especialmente a alta oficialidade, como elementos comprometidos com o desrespeito aos princípios democráticos, vocacionados para o exercício de regimes ditatoriais.
Por um dever de justiça é preciso corrigir esse equívoco de interpretação. Nas três forças militares nacionais encontramos muitos dos seus integrantes imbuídos da responsabilidade institucional de lutar em defesa da soberania nacional e das regras constitucionais. São chamados de legalistas, porque colocaram em risco suas carreiras respeitando as condições de governabilidade legitimadas por eleições livres e democráticas. Na recente tentativa de golpe que tivemos notícia, alguns deles se manifestaram contrários à intenção de que o país revivesse os seus tempos sombrios dos “anos de chumbo”.
Após o Golpe de 64, mais de 6,5 mil oficiais e praças foram presos, perseguidos, torturados e assassinados pela ditadura, por terem se manifestado em oposição às investidas da tomada do poder. Dentre eles, o brigadeiro Rui Moreira Lima, deposto do comando da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, encarcerado e aposentado compulsoriamente. O Marechal Henrique Teixeira Lott, teve todos seus direitos políticos cassados e foi impedido de lançar sua candidatura a governador do Rio de Janeiro. Antes, quando perdeu a eleição para Jânio Quadros, na disputa pela presidência da República, em 1960, iniciou campanhas contra a ala golpista do Exército. Militares de baixa patente, ou seja, subtenentes, cabos e sargentos, também exerceram papel importante na resistência democrática e foram severamente penalizados. Nas ditaduras as prisões de militares ocorriam por decisões arbitrárias, enquanto que nas democracias os militares são aprisionados pela justiça com direito ao devido processo legal.
Considerados de “esquerda”, na verdade eram nacionalistas, que lutavam pela preservação da soberania nacional e dos direitos humanos. Relatório da Comissão Nacional da Verdade diz: “Os militares foram perseguidos de várias formas: mediante expulsão ou reforma, sendo seus integrantes instigados a solicitar passagem para a reserva ou aposentadoria; sendo processados, presos arbitrariamente e torturados; quando inocentados, não sendo reintegrados às suas corporações; se reintegrados, sofrendo discriminação no prosseguimento de suas carreiras. Por fim, alguns foram mortos”. Eram soldados da democracia.
No livro “Militares e Política no Brasil”, o escritor Ribeiro da Cunha conta que: “A maior parte das prisões (de oficiais e praças) aconteceu após o AI-5, em 1968, com muitos deles sendo presos até com os filhos”. A partir de então houve perseguição, inclusive, de militares que haviam apoiado o Golpe de 64, mas que se revelaram contrariados com a forma violenta com que o governo passou a tratar aqueles que consideravam inimigos. É necessário honrar a memória dessas grandes figuras que garantiram a prevalência do poder popular e a democracia que a elite nacional traiu em diversos momentos de nossa turbulenta história. O papel atribuído às Forças Armadas na nossa história constitucional deve ser o de garantir os poderes constituídos. Esses heróis fardados cumpriram com sua missão e, por consequência, as próprias Forças Armadas se negam reverenciá-los.
Rui Leitão
